E se o Papa Francisco levar uma ovada?

Com o clima atual de animosidades e de promessas de manifestações contra o Papa Francisco, que dispensou o papamóvel com vidro blindado usado após o atentado a João Paulo II, pergunto-me se não vão tentar ao menos lançar alguma coisa contra suas vestes brancas aqui no Rio de Janeiro.

Aí me vem imediatamente uma cena do filme de Rossellini sobre São Francisco, baseada numa página célebre do próprio, em que São Francisco explica onde encontrar “a perfeita alegria”.

O santo dos pobrezinhos

Para o santo, a perfeita alegria não consiste em converter todo o mundo, nem em prever todos os acontecimentos futuros, mas em apanhar em nome de Cristo. Por isso ele convida o irmão Leone a bater na casa de um homem para convidá-lo a servir Cristo, e é escorraçado para fora, jogado na lama, debaixo da neve.

O Papa também virá aqui convidar-nos à mesma coisa. O dono da casa, no filme, manda um “Não perturbe!”. Pois o Papa Francisco vai perturbar bastante a cidade (e eu moro em Copacabana, o bairro que provavelmente será o mais perturbado de todos).

Então, se o Papa levar uma ovada ou qualquer coisa, eu saberei que ele está conhecendo a perfeita alegria. Ou, como vocês podem ver no trecho do filme, logo abaixo, la perfetta letizia (e italiano não é nada difícil de entender).

Antiga Sé & adjacências: Centro do Rio, 23 de junho de 2013

Hoje é domingo. Fui à missa no rito extraordinário na Antiga Sé do Rio de Janeiro, na rua Primeiro de Março, em frente ao Paço Imperial. Tirei essas fotos com o celular na saída da missa. (Sou um péssimo fotógrafo, claro.)

De frente para a igreja, assim estão as janelas à esquerda:

Antiga Sé, primeira janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, primeira janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, segunda janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, segunda janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, terceira janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, terceira janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, terceira janela à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, terceira janela à esquerda a partir da porta

Uma visão do outro lado da rua:

Antiga Sé, janelas à esquerda a partir da porta
Antiga Sé, janelas à esquerda a partir da porta

Aqui, a entrada do prédio da Receita Federal (tentei esconder meu reflexo no centro, um amigo saiu ao lado):

Receita Federal, Rua Primeiro de Março, Centro do Rio de Janeiro
Receita Federal, Rua Primeiro de Março, Centro do Rio de Janeiro

E apenas uma das janelas apedrejadas do Paço Imperial:

Paço Imperial, Rio de Janeiro
Paço Imperial, Rio de Janeiro

Credo in sodales qui progrediunt et virgam sustinent flammarum

Tendo um amigo chamado a atenção para o inacreditável “Credo” que uma obra publicada pelas Edições CNB do B (apud José Osvaldo de Meira Penna), e divulgado pelo indispensável Fratres in Unum, julguei por bem encomendar uma sua tradução latina a um artesão que, como seus antecessores medievais, prefere o anonimato.

Até quando, eminências, julgareis que desprezar um mínimo de bom gosto é sinal de apreço pelo povo? Até quando crereis poder competir com o Faustão sem tornar-se igual a ele? Que a evangelização pode ou deve ser imiscuída como mensagem subreptícia em meio ao vil entretenimento, como merchandising divino?

Ecce novum Credo Iuventutis a CNBB editum, quod ab eis favetur confiturum in saecula saeculorum.

Credo in iuventutem quae nova quaerit, qui melius cras sperat et somniat somnos infantium.
Credo in puerum puellamque qui scit quod vult, qui pugnam firmiter confrontat, qui non a via currendi fugit.
Credo in sodales qui progrediunt et virgam sustinent flammarum.
Credo in puerum qui valorem reperit vivendi sicut fratres et sorores, necnon quaerit communitatem.
Credo omnes pueros omnesque puellas scire ‘sic’ dicere et etiam ‘non’ dicere.
Credo in iuventutem qui semper convenit ad vitam fruendam.
Credo in pueros et puellas Communitatis, ruris, scholae, vicinitatis, qui in sua realitate amorem vivere sciunt.
Credo in gradationem nostram ad novam societatem, ubi omnes fratres et sorores erimus.
Credo in vim pueri et puellae qui ridet, canit, saltat, flet, connubialiter diligit, expectat et novum cras facit.
Credo in Deum Patrem et Matrem, Liberatorem, et in omnem puerum omnemque puellam qui somniat Regnum Amoris eius.
Credo in Puerum Christum, qui voluntatem Dei cumplevit et copioso amore vixit.
Credo in Spiritum Sanctum, qui igne amoris excitat iuventutem omnem ad Liberatorem quaerendum.
Credo in Mariam, mulierem doloris et laetitiae, matrem dilectam nobis, omnium puerorum puellarumque qui in vita valorem suum reperiunt.
Credimus nos solum fide, vi et confidentia inituros in Regnum Dei et Populi.
Amen.

Um pouco sobre Bergoglio; as acusações contra ele

Quisera eu poder parar e ler tudo sobre o novo papa. Mas as traduções estão aí, e ainda tenho um compromisso hoje à tarde.

A ler:

1. Os dois artigos antigos de Sandro Magister sobre o cardeal Bergoglio: um perfil dele feito em 2002, e um texto sobre a igreja na Argentina.

2. O que John Thavis, o vaticanista da hora (bom, foi o único que disse: “olhem o cardeal Bergoglio” antes da eleição), disser sobre os primeiros dias do novo papa. Aliás, para quem estiver na “arma de distração em massa” (apud Bill Valicella) que é o Twitter, lá está também John Thavis.

3. O Catholic Herald.

4. Um texto simples da First Things que coloca os pés no chão.

Agora, as acusações a Bergoglio surgiram no e-mail de alguns amigos meus nada menos do que DEZ MINUTOS depois da eleição. Francamente, “acusado de” já virou epíteto de muita gente. E a coisa mais banal do universo hoje são acusações. Chega a parecer que, se você não for acusado de nada, aí é que você deve ser suspeito mesmo.

Acho interessante que as acusações contra Bergoglio que li são ainda vagas. “Conviveu pacificamente com a ditadura”. A luta armada comunista não me parece nem obrigação moral, nem critério para medir o resto da humanidade. “Responsável pela prisão de dois padres”. Como? Ele chegou na polícia e os denunciou? Realmente, se alguém tiver um texto detalhado de fonte razoável, pode me mandar.

Esse clima acusatório todo serve para diferenciar as pessoas que querem falar com responsabilidade daquelas que não querem. Se você fica repetindo que fulano é acusado disso, acusado daquilo, sem ter prova nenhuma, sem que o assunto tenha sido decidido pela justiça ou algo assim, você está contribuindo para difamar uma pessoa e está indo contra o princípio da presunção de inocência. Aliás, São Francisco de Sales disse que o maior bem terreno que possuímos (ou o segundo maior, preciso achar o livrinho aqui) é o bom nome. Se você achar que não, e que não há problema em ficar dizendo “fulano, acusado de” enquanto desconhece provas da acusação, podia ao menos imaginar esse tratamento dispensado a você mesmo.

E lembrar deste poeminha de Yeats: The Leaders of the Crowd.

O papa Francisco e o conclave

Desde a renúncia de Bento XVI, minha vida parece estar em suspenso, como num sonho.

Naquele dia, lembro que acordei, peguei o celular e vi o Twitter. Alguém tinha acabado de repassar alguma coisa do Guardian dizendo que o papa tinha renunciado. Pulei da cama, corri para o computador, mandei e-mails para todos os meus amigos: e aí, alguém está sabendo?

Poucos minutos depois eu já via que era de verdade. Acho que em meia hora já tínhamos o vídeo da renúncia.

Agora os cardeais elegeram o cardeal Bergoglio. Que sei eu dele? Nada, vou descobrir junto com todo mundo.

Hoje de manhã a Tanja Krämer (que não é um fake meu, não é a minha namorada, e que eu nunca sequer vi pessoalmente) me mandou um e-mail apenas com um link para um texto de John Thavis falando em Bergoglio. Vou confessar que nem cliquei. Não por despeito: hoje eu também entreguei mais uma tradução e precisava me concentrar.

Fica então o reconhecimento à Tanja, e mais uma rasteira: agora é acompanhar John Thavis também.

Sobre o conclave, algumas especulações:

1. Diz a lenda – é lenda na medida em que nunca teremos confirmações oficiais, só declarações em off de cardeais que vão querer permanecer anônimos, mas não quer dizer que não seja verdade – que Bergoglio foi o segundo colocado no conclave de 2005, pegando os votos do cardeal Martini.

2. Logo, parece razoável imaginar Bergoglio deve ter tido os votos de antes, dos cardeais criados por João Paulo II, mais alguns votos de alguns cardeais criados por Ratzinger.

3. Parece ainda não muito louco supor que os cardeais teriam pensado, diante da renúncia: “devíamos ter eleito Bergoglio”.

4. Thavis diz que Bergoglio causou boa impressão na congregação pré-conclave.

O que é mais lindo é que tudo isso poderia ter sido cogitado por qualquer um, mas não foi. Foram listas e mais listas de papáveis, Scherer, Dolan, O’Malley… E eu não vi ninguém falar do cardeal Bergoglio. (Mas eu também não estava prestando atenção no John Thavis.)

Outra coisa interessante – e até bela – é ver como a eleição de Bergoglio, ao menos inicialmente, vai contra a narrativa recente de cúria malvada x papa em estado de choque + cardeais que querem limpeza.

O erro dessa avaliação pode ter estado no óbvio. Nós, o mundo, estamos sempre olhando para o futuro. Agora eu poderia dizer que a Igreja está olhando para a eternidade, tudo bem, mas depois de olhar para a eternidade a Igreja olha para o passado. No caso, um passado que é quase presente: apenas oito anos atrás. Quem parecia boa opção na época continuará parecendo, a menos que surjam novas informações.

Porém, se realmente Bergoglio ficou com os votos de Martini, sendo visto como um modo de bloquear Ratzinger, pode ser que haja sim um embate de posturas vagamente na linha de conservadorismo x progressismo. Digo “pode ser” porque, afinal, onde estão as obras e as declarações progressistas do cardeal Bergoglio? As do cardeal Martini estão por toda parte.

O que não exclui a hipótese (que já é uma hipótese sobre uma hipótese sobre uma hipótese…) de que esses progressistas tenham votado em Bergoglio com o mesmo gosto com que teriam votado em Martini.

Um detalhe bem interessante nessas disputas é que elas podem ser muito relevantes e totalmente irrelevantes. Para o católico comum, distante da Cúria, mais vale o contato com um bom padre, uma liturgia cuidadosa, do que as opiniões de um cardeal. No entanto, discutir as grandes personalidades é ótimo; rezar que é bom, fazer o bem sem que a esquerda saiba o que a direita faz… E eu digo isso como um puxão de orelhas em mim mesmo.

Porém, minha sensação agora é, antes de tudo, de alívio. Depois, de grande alegria (annuntio vobis gaudium magnum, “anuncio-vos uma grande alegria”). A sé não está mais vacante.

Hoje, antes de dormir, rezarei pelo papa Francisco – e, pela segunda vez no dia, rezarei pelo papa emérito Bento XVI.

Um grão de mostarda

Todos esses dias eu venho pensando em escrever um texto sobre Bento XVI. Fico esperando a disposição interior correta. Ela não vem. E começo a pensar que é preciso fazer as coisas com ou sem a disposição. Fazendo, a disposição vem. Logo acabarei usando esse método.

Robert Moynihan conta que encontrou um cardeal na rua e que ele, quase chorando, diz que Bento XVI nunca deveria ter renunciado. Minhas simpatias, cardeal. Há um misto de estarrecimento e de apego à figura de Ratzinger. Aliás, não importando quem o conclave eleja, Ratzinger vai dar o perfil teológico da Igreja pelos próximos 100 anos. Esse tipo de coisa funciona assim: você esbarra num problema, e se lembra, ou alguém lembra, que Ratzinger tinha dito que…

Contudo, se o cardeal na rua estava ainda abalado, o cardeal Arinze, que conviveu com Ratzinger na Cúria, parecia ter uma fé imensa.


O cardeal Arinze fala inglês claro – e é impossível não gostar dele.

E agora que o conclave começa, tento pensar nessa fé. Se o gesto de Ratzinger não nos convida a ter fé não nele, não num homem, mas no Espírito Santo.

Mesmo assim, a primeira coisa que ouço em meu coração é: reelejam Ratzinger.

Mas, como o conclave é misterioso, vou tentando ver os rostos dos cardeais, pensando que um deles será o novo papa. Posso torcer por Ranjith e O’Malley, posso não ter grande simpatia por outros. E daí?

Robert Moynihan também diz que encontrou uma velhinha – eu muitas vezes acho que ele conta umas coisas como fábulas – que falou bem de Schönborn – logo aquele que eu disse que não poderia ser eleito. Seria uma bela lição para mim, o único exemplo que eu dei de “esse aqui não” ser o escolhido.

Quando se tenta ser cristão, é preciso conviver com essas rasteiras amigas que o Espírito Santo dá. Não se aprende a humildade sem comer um pouco de pó.

Agora, pela lógica da velhinha – três papas da Europa Central, falta um – o cardeal Erdo também seria papável. Com o detalhe de se chamar Peter e agradar aos devotos das profecias de São Malaquias.

Vamos rezar que ainda é tempo.

E confesso que na quinta à tarde eu tenho um compromisso. Quero muito que já tenhamos um papa até lá!

Savarese continua falando porque não sabe

Pode parecer implicância minha, mas pela segunda vez Maurício Savarese vem exemplificar a caipirice intelectual que passa por jornalismo quando o assunto é religião, e o comentário vale pela oportunidade de explicar algumas coisas.

E vale ainda fazer a seguinte observação: praticamente todo comentário de má qualidade que vejo sobre a religião não vem de burrice (embora às vezes venha), mas de uma pura e simples ignorância dos fatos e da falta de imaginação – por isso usei a palavra caipirice.

Uma caipirice orgulhosa, pertinaz, que não concebe nada fora da sua experiência, que tacitamente presume que tudo aquilo que ela não viu não deve existir – e, se existe, deve ter alguma explicação perversa.

Entender que existem ideias diferentes das suas é a coisa mais fácil do mundo; aceitar que existem motivações diferentes das suas, que você nunca teve, aí é que são elas.

Mas vamos às savaresices do momento:

Ser católico no Reino Unido muitas vezes é o mesmo que ser anglicano.

Então, segundo Maurício Savarese, no Reino Unido, muitas vezes os anglicanos aceitam a autoridade do Papa? E muitas vezes os católicos preparam-se para quando o príncipe Charles for o chefe da “sua” igreja?

A verdade é que o anglicanismo é internamente muito mais dividido do que o catolicismo. Um pequeno ramo da Igreja Anglicana, sobretudo pelos ritos, está próximo do catolicismo, e por isso mesmo é chamado de anglo-católico. A maior parte das conversões ao catolicismo costumam vir desse ramo, naturalmente. Segundo a maneira como os anglicanos falam, as igrejas que têm ritos mais elaborados seguem o estilo high church, e aquelas em que os cultos se resumem mais a preces, cantos e pregações são de estilo low church. A rainha Elizabeth, até onde se sabe, é orgulhosamente low church, e acha, como muitos anglicanos, que quando o negócio começa a ficar muito elaborado já se sente o cheiro do “papismo”.

Eu adoraria que o sr. Savarese explicasse não para os leitores brasileiros, mas para a rainha Elizabeth II, em que sentido “ser católico no Reino Unido é o mesmo que ser anglicano”.

Mas, apesar do meu comentário, é verdade que o sr. Savarese dá a sua explicação logo depois. A parte mais interessante dela é partir de uma definição dada por quem não é nem católico, nem anglicano.

A religião, parte de um sisma [sic] que os católicos romanos tentam anular, é vista entre os jovens (ao menos entre os meus colegas) como indício de racismo — o que pode ser injusto, mas se confirma na única londrina religiosa que conheço.

Claro que o “sisma” com “s” no lugar de “cisma” nos faz pensar na linhagem espiritual de Emir Sader, com seu inesquecível “Getulho Vargas”. Mas se eu for analisar as influências do sr. Savarese, não termino hoje esse texto, nem o que ainda pretendo fazer.

O fato, para começar, é que os católicos romanos não “tentam anular” o cisma entre catolicismo e anglicanismo. O papa Bento XVI criou um ordinariato para que os sacerdotes e fiéis anglicanos que quisessem converter-se ao catolicismo tivessem um ambiente mais favorável. Isso não veio do nada: após as muitas inovações recentes na Igreja Anglicana, como a ordenação de mulheres, muitos passaram para Roma – eu ia dizer “cruzar o Tibre”, mas o sr. Savarese não ia entender – e depois voltaram, sentindo-se desajustados. O ordinariato permite uma espécie de migração coletiva, digamos.

“Tentar anular o cisma” seria outra coisa. Seria tentar fazer com que o rei da Inglaterra abrisse mão de ser chefe da Igreja da Inglaterra e fazer com que o arcebispo da Cantuária de algum modo se submetesse ao papa. A Igreja Católica tenta “anular o cisma”, por exemplo, com a Igreja Ortodoxa Russa, e há comissões de ambos os lados que trabalham exclusivamente para isso.

E isso tudo mal começa a descrever toda a questão. São só meros fatos que o nosso correspondente ignora.

Agora, do ponto de vista meramente retórico, eu gostaria de reescrever a frase de Savarese assim: “O judaísmo é visto entre os jovens (ao menos entre meus colegas) como indício de avareza – o que pode ser injusto, mas se confirma na única judia que conheço.”

Ficou claro? Você pode manter a estrutura e colocar o grupo que você quiser no lugar, e ver como isso vai soando a seus ouvidos. É um teste para você conhecer seus preconceitos.

Se o próprio sr. Savarese acha a colega racista, a explicação que ele dá é sensacional:

Há poucas semanas, ela contou a outras meninas que não se sente atraída por negros nem indianos. Escândalo geral. “Não sei como ela pode dizer isso e pensar que ninguém vai ligar”, diz uma amiga, bastante ofendida. “Típica anglicana.” É também verdade que o sentimento anticlerical é amplo entre um grupo de mestrandos bastante liberais.

Mesmo que Savarese tente atribuir o julgamento de racismo ao grupo, no parágrafo anterior ele estava “confirmado”. Agora sabemos que é por falta de atração sexual.

Não basta respeitar, tem de desejar também?

Mas vamos botar isso na conta do que ele não sabe.

Maurício Savarese: fala porque não sabe

Preciso confessar que não entendo nada de futebol. Não tenho o menor interesse. Quando era criança, gostava. Depois, passou. Só lembro que Zico jogava no Flamengo. Se me pedirem para nomear um único jogador de qualquer time de hoje, serei obrigado a dizer: “não sei.”

É isso que me faz pensar que, se eu fosse chamado para cobrir a Copa do Mundo, só uma dentre duas hipóteses poderia ser verdadeira: a pessoa que me contratou não sabe o que está fazendo (e eu teria a decência de recusar a mamata que viria junto), ou então ela quer que eu escreva coisas ridículas para me vender como objeto de chacota (e eu recusaria a mamata que viria junto porque, bem, o preço é alto demais).

Não sei se algumas dessas duas hipóteses explica o fato de o jornalista Ricardo Noblat a chamar o sr. Maurício Savarese para expelir em seu blog uma indescritível pérola, em que fala sobre como os vaticanistas são uma turminha muito esquisita, porque, ora!, estudam o assunto de que pretendem falar, e ainda ousam conversar a respeito dele em seu tempo livre! Por exemplo, ao encontrar o primeiro vaticanista de sua vida, o sr. Savarese observa que ele…

…foi-se com os amigos vaticanistas, para vaticanizar por aí, em faculdades católicas, cafés e mosteiros. Ali acham fontes.

Quanto aos cafés, nem sei. Mas não era próprio do jornalismo achar fontes?

Como têm acesso aos cardeais da Cúria Romana antes do conclave, conhecem funcionários e sabem das regras de funcionamento, eles têm crédito para especular.

O que, obviamente, o sr. Maurício Savarese não tem. Aparentemente ele foi a Roma, ao menos com dinheiro privado, não para falar do conclave, mas para comentar as pessoas que entendem o conclave. Talvez amanhã ele escreva sobre o modelo de bicicleta que algum cardeal usou para se locomover em Roma. Afinal, é muito importante explicar ao leitor brasileiro, essa besta, que em Roma as ruas são estreitas etc. Ou então ele vai voltar a seu papel mais confortável, que é o de apontar o dedo, rindo e se curvando até ficar com a cara nos joelhos, para aquela bizarra gente que tenta entender a Igreja Católica.

E volto ao meu exemplo: imaginem se eu fosse cobrir a Copa do Mundo e dissesse: “olha que gente bizarra, eles entendem as regras do futebol, eles conhecem até os jogadores!”

Eles também costumam conhecer de história o bastante para saber que raramente há ineditismo na Igreja Católica. Muitos são intelectuais. Estranhos, mas intelectuais.

E você, sabichão o suficiente para saber só a conclusão sem entender nadinha de história. O mais legal é que até a conclusão, na verdade, nem é falsa nem verdadeira. É só uma afirmação gratuita. A eleição de um polonês para o papado não foi inédita? A de um alemão, não foi quase inédita? As mudanças dos últimos 50 anos não foram inéditas?

Agora, obrigado, obrigado por você reconhecer que os vaticanistas são intelectuais, apesar de estranhos. Era só disso que os vaticanistas estavam precisando. Da chancela de uma pessoa normal. Né?

Nada disso os impede de jogarem um jogo muito estranho nas entrevistas coletivas, com perguntas tão específicas que parecem voltadas a satisfazer o chefe da assessoria de imprensa. Não que seja exclusividade deles, mas o tom rococó é bem peculiar.

“O nome do novo papa estará em um modelo semelhante ao do último anel do pescador? Ficará ao redor da insignia?” “O senhor poderia me dizer em latim as primeiras palavras da missa que rezará pela eleição do novo pontífice?” E por aí vai.

Traduzindo: Savarese não tem a menor ideia de por que estão perguntando isso. Mas acha que o fato de ele ignorar algo é prova de que esse algo é esquisito. Deus meu, por que é permitido haver algo que o sr. Savarese ignore?

Eu sei que alguém pode tentar defender Savarese dizendo que ele, no começo do artigo, disse que…

Estar perto dos vaticanistas traz aos estrangeiros uma grande inquietação. Afinal de contas, que universo frequentam? O da especialização em assuntos religiosos ou o da reverência incondicional à Igreja Católica?”

…só que todos os argumentos que ele apresentou dizem respeito à especialização. Sim, é indispensável saber italiano. Sim, é indispensável saber história, teologia, regras da Igreja etc. Sim, é ideal saber latim. É verdade que talvez você não venha a saber tudo isso se detestar o assunto “Igreja”. Mas então por que você se acharia qualificado para falar disso?

O décimo-quinto Dalai Lama na mídia

Um viajante do futuro apareceu aqui agora e, com um português meio esquisito, disse que eu precisava de “alívio cômico” e me entregou um recorte de um grande jornal lá da época dele. Vejam só:

ÍNDIA – Após o falecimento de Tenzin Gyatso, o décimo-quarto Dalai Lama, budistas do mundo inteiro aguardam sua reencarnação.

Segundo o tulku Betoff, do Centro Budista de Ipanema, os desafios que o próximo Dalai Lama terá de enfrentar são muitos. “O budismo tradicional ainda está preso a valores antigos, como a atenção, a concentração, a meditação. Mas hoje as pessoas preferem ficar mandando mensagens pelo WhatsApp. Então acredito que todo esse valor dado à meditação precisa ser reavaliado. O budismo é milenar, mas precisa estar em sintonia com os desejos atuais.”

O jornalista Paulo Luiz Borda também tem suas críticas. “O consumo de carne é uma realidade. O homem moderno não devia precisar escolher entre uma linguicinha e o zen. Eu mesmo acho que existe muita espiritualidade numa picanha mal passada”, diz, após um discreto arroto.

A feminista Lôra, rapper da Marcha das Vadias, também acredita que o novo Dalai Lama deve defender o aborto irrestrito. “O Dalai Lama precisa entender que não é o desejo que leva ao sofrimento. Quando uma mulher faz um aborto, o que ela quer é evitar o sofrimento imposto pela sociedade. Precisamos de um Dalai mais antenado com a luta contra o patriarcado. Aliás, por que ele não pode reencarnar numa mulher? Vamos fazer uma marcha para exigir isso, já é hora. Peitos de fora pela Dalaia!”

Gyatso, porém, afirmou que não reencarnaria na República Popular da China, criando problemas para os lamas tibetanos responsáveis por encontrá-lo. Especialistas acreditam que isso abre a possibilidade de que o novo Dalai reencarne como mulher. Os tulkus brasileiros, aliás, acreditam que uma favela pacificada seria o melhor lugar para isso. “Seria uma oportunidade de o budismo dar um exemplo de democracia para o mundo, mostrando que a reencarnação do Dalai Lama está ao alcance de todos.”

A presidenta Dilma Roussef prometeu incentivos fiscais para o budismo se o novo Dalai reencarnar numa favela pacificada. “E se vier mulher, melhor ainda.” Porém, o ex-deputado Janjão W. afirma que o Estado é laico e que esses incentivos só devem ser concedidos se, além de mulher e favelada, a nova Dalaia for lésbica. “Precisamos de uma líder religiosa que empunhe a nossa bandeira. Já pensou, a Dalaia na Parada Gay da Paulista?”

De todo modo, milhões de budistas no mundo inteiro esperam que seu futuro (ou futura) líder espiritual atenda às suas aspirações e esteja em sintonia com o mundo moderno, sendo capaz de levá-los rumo ao novo milênio. Num tempo em que o desejo é sagrado, uma religião que o questione pode estar com os dias mais do que contados.