Pretometria

Então a UNB vai fazer entrevistas com os candidatos que se declaram negros para ver se são mesmo negros.

o reitor da instituição dá uma entrevista à revista “Raça”:

Para alguns intelectuais, inclusive negros, a denominação “raça” também é racista e contribui com o sistema de exclusão. O que o senhor acha disso?

Isso é uma tentativa de mudar o eixo da discussão para o plano genético. É de uma desonestidade intelectual brutal, porém ela tem espaço nos campos acadêmicos e precisa ser esclarecida. Quando falamos raça negra no sentido sociológico, não tem nada a ver com a genética, e sim com pessoas sendo discriminadas na sociedade, é racismo!

Ou seja: no departamento de pretometria da UNB, as discussões são muito, muito sutis.

Quando isso vai acontecer no Brasil?

Em Durham, na Carolina do Norte, os jogadores do time de lacrosse da Duke University deram uma festa e contrataram duas strippers. Por acaso, elas eram negras. Uma tinha problemas com álcool, além de ser bipolar. Chegou tarde, trabalhou só por quatro minutos, desmaiou. Levada para a delegacia, o promotor literalmente decide que ela foi estuprada e a convence a dar este depoimento. Os jogadores ganham fama de estupradores, são suspensos, e o reitor da universidade decide acabar com o time. Mais de um ano depois, acontece o certo: o promotor perde o emprego, o equivalente americano da carteirinha da OAB (isto é, a licença para advogar) e passa um dia na cadeia. Os jogadores processam Duke.

Acompanhei a história na New Criterion e hoje o Opinion Journal publicou um belo resumo.

FHC: “Racista” como eu

“Coisa é que admira e consterna”, diz o personagem Brás Cubas, do mulato Machado de Assis. Faço minhas as palavras do Bruxo do Cosme Velho: os eventos que tomaram a PUC na quarta-feira passada são, para dizer o mínimo, notáveis; para dizer o máximo… Bem, cada um saberá o que pensar.

O fato é que eu e mais três amigos publicamos um jornal (O Indivíduo) muito brando, quase anódino, em seu conteúdo – apesar dos temas tratados serem tidos como “polêmicos” – e fomos imediatamente atacados por uma multidão de alunos enfurecidos, que fizeram várias promessas contra a nossa integridade física. Promessas, aliás, que só não foram cumpridas graças à ação da segurança da universidade, que, mesmo assim, achou melhor que fôssemos embora o quanto antes, pois duvidava da possibilidade de nos manter inteiros se continuássemos na PUC.

Além disso, meus amigos foram avisados previamente de que qualquer tentativa de audiência com o reitor seria vetada. No dia seguinte, o reitor enviou uma carta à comunidade acadêmica em que condenava a nós, vítimas de uma agressão por parte dos alunos, como agressores. Cerca de cem pessoas perseguem três, e os agressores somos nós; aritmética muito curiosa, devo dizer.

O que pode haver de tão estarrecedor no jornal realmente me escapa. Há, é verdade, um texto meu que questiona a realização de uma Semana da Consciência Negra na PUC, mas os argumentos, além de perfeitamente legítimos, são rigorosamente os mesmos utilizados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em sua participação em uma séria de documentários sobre os 500 anos de História do Brasil, segundo notícia da página 3 de O Globo de 24/11/97. O presidente e eu seguimos a linha de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro: aqui no Brasil o povo se orgulha de ser miscigenado, e segundo o presidente, foi criada aqui “uma consciência muito especial”. Ou, como digo em meu artigo, o maior valor da cultura brasileira está justamente na desconsideração quanto ao fator raça – que não é mérito nem demérito –, integrando todos os povos que para cá vieram.

Se sou merecedor das acusações que me imputaram, também é o presidente Fernando Henrique Cardoso. E também os dois pilares da nossa ciência social, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Estou até agora completamente estarrecido – e creio que assim permanecerei por muito tempo – por ter sido tão atacado pelos alunos da PUC, filhos da elite carioca, e pela reitoria. Sou uma vítima que mal é capaz de entender o que aconteceu segundo os critérios mais comuns da razão humana, e só posso me arriscar a perigosas conjeturas se desejar uma verdadeira compreensão do assunto.

Parece-me que o que houve na PUC foi uma situação de totalitarismo; isso e mais nada. Totalitarismo da parte dos manifestantes; da parte do reitor, no mínimo imprudência, ao tomar partido dos agressores sem ter sequer ouvido o depoimento das vítimas.

O maior mal que posso me atribuir foi o de ter tido uma opinião contrária à do discurso dominante na PUC. Dominante não numericamente, note-se bem; acredito piamente que nosso jornal reflete a opinião da maioria silenciosa que integra o corpo de alunos da PUC. O discurso a que chamo dominante é dominante em termos de barulho, pois parte de um grupo organizado que se manifesta o tempo inteiro. A maioria mesmo permanece em silêncio, não se organiza e não se faz ouvir, ouvindo a minoria barulhenta sem sequer reclamar. Bater, jamais.

A negra noite da consciência

Às vezes me pergunto em que país eu vivo. Porém, o testemunho da minha consciência me faz ver que a loucura que gera esta questão tem origem nos outros, e não numa possível ilusão geográfica minha. Eu continuo são, e meus olhos não me enganam. A única coisa que persiste é, talvez, a sensação de que eu preferia estar profundamente errado ou meio doido mesmo.

Foi exatamente assim que eu me senti ao descobrir que se realizaria na PUC uma Semana de Consciência Negra, um evento inspirado na idéia norte-americana do “politicamente correto”. Acredito mesmo que isso só possa ser fruto da tal “colonização cultural”, um fenômeno que, em tempos de “globalização”, ficou meio esquecido, mas que, infelizmente, existe sim: basta olhar para os negros brasileiros, que, em termos de aceitação social, têm uma vida muito melhor do que a dos negros americanos – lá nos EUA existe racismo mesmo – querendo

importar os problemas deles.

Se pudéssemos apontar qual o maior exemplo – quiça único – que o Brasil dá à humanidade, ele está na convivência interracial e multicultural. Só aqui, na TV, passa comercial de programa árabe durante o programa judeu. Só aqui todo mundo convive muito bem, sem Ku Klux Klan e sem ódio “étnico”. A única parte que assume isso são os skinheads e todo mundo sabe muito bem que eles são considerados um grupo malévolo à parte que deve ser combatido.

(Alguém pode dizer: “aqui o racismo é sutil”. Eu pergunto: o que é “racismo sutil”? Quem não gosta de uma raça sempre manifesta isso de uma maneira que qualquer espírito, ainda que não muito sutil, percebe.)

O grande racismo, nada sutil, mas que pouca gente percebe, está em eventos como esta Semana de Consciência Negra. Primeiro, porque ninguém acharia bonito se fizéssemos uma Semana da Consciência Branca. Promover uma raça, qualquer que seja, é racismo. E eu não vejo nenhuma razão para tolerar nos outros o que eles pretendem condenar em mim. A única razão que se poderia alegar para que eu tolerasse isso é uma certa infantilidade da parte deles. É em criança que se tolera esse tipo de atitude.

Donde se conclui o óbvio: uma Semana de Consciência Negra depõe contra a própria raça negra, como se esta fosse composta de pessoas que precisassem desesperadamente de auto-afirmação. Auto-afirmação, aliás, equivocada: nenhuma produção de cultura negra será boa ou relevante para a humanidade por ser negra, mas por ser cultura (não no sentido antropológico do termo). O poeta Cruz e Souza não se destaca como um poeta de relevância universal por ter sido negro, mas pelo valor da sua poesia, que teria o mesmo valor se tivesse sido escrita por um viking.

Querer falar de uma consciência negra como se esta fosse essencialmente diferente de uma consciência branca, ou árabe, é realmente estúpido. Porque, sendo diferente, e havendo tamanho esforço para celebrá-la e estimulá-la, só se pode concluir que ela seja ou superior ou inferior às outras. Faz-se tanto pelo consciência negra para ajudar ao mais fraco; ou então celebra-se tanto a consciência negra poe ela ser superior, a base mesmo da nossa civilização. A primeira é um nazismo patético às avessas; a segunda é nazismo mesmo – e com nazista eu não converso.

Um argumento que é utilizado pela comunidade negra (já pensou como soaria comunidade branca?) é o de reparação. Reparação das injustiças que foram cometidas contra os negros, escravizando-os, tirando-os da sua terra, etc. Bem. Os faraós egípcios, que, segundo alguns, eram negros, escravizaram vários povos durante mais de mil anos. A escravidão era prática comum entre as tribos africanas e todos sabemos que os negros das tribos mais fortes foram cúmplices dos europeus no comércio de escravos. Assim sendo, sugiro que os negros que desejam reparação façam árvores genealógicas para ir cobrá-la dos descendentes dos negros escravizadores. E, antes disso, peçam a conta a todos os povos escravizados pelos egípcios.

O pior mesmo é que ninguém atenta para isto. Só quando trouxerem a prática norte-americana (já banida) de “ação afirmativa” é que vão perceber. Houve na PUC, durante a Semana, um seminário sobre o tema. Para quem não sabe, “ação afirmativa” (“affirmative action” mesmo) é uma prática evidentemente racista que consiste em garantir uma porcentagem x de lugares para as minorias em certos meios dos quais elas se sentem excluídas – por exemplo, as universidades. Evidentemente racista porque toda decisão tomada com base em raça é racista. Assim, as universidades são obrigadas por lei a admitir tantos negros, de acordo com uma proporção matemática extraída no número de negros na região. A grande diferença dos EUA para o Brasil, neste sentido, é que lá, na hora de você entrar na universidade – falo por experiência própria – você fundamentalmente manda o seu currículo.

Aqui no Brasil o sistema é de vestibular, e cada universidade tem o seu. Já imaginaram a beleza que vai ser, se a “ação afirmativa” vier para cá, o vestibular? Salas para negros – que ou farão provas bem mais fáceis ou terão critérios mais brandos de avaliação, já que a universidade é obrigada por lei a ter em seus quadros um percentual predeterminado de alunos negros – e salas para brancos? Isto aí é ou não é a explicitação de uma demência completa?

Ninguém vê porque a consciência mesma, seja negra, branca, grega ou troiana, está mergulhada numa noite de preconceitos. E o preconceito é um tipo de cegueira intelectual. São cegos perdidos à noite que só tem outros cegos para os guiarem e que crêem que a cura da cegueira seja mais cegueira. O ruim com o ruim não dá bom: dá pior. Estas práticas, que só aumentaram o racismo nos EUA, produzirão um efeito muito mais nefasto no Brasil, que apesar de não ter valores culturais tão arraigados, têm como maior valor a boa convivência racial. Todo este discurso só vai ter como único resultado a importação de um problema que nós não temos. Vão inventar a consciência de uma contradição que não existe, e o Brasil vai dar mais um passo para longe da realidade.

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