Larguem livros pela metade, saiam de filmes ruins. Vão por mim, funciona

Ontem à noite minha mulher e eu fomos ao cinema. O filme era tão ruim, mas tão ruim, que, passada meia hora, levantamos e fomos embora. Sairmos os dois juntos não é tão comum, mas acontece. Eu, por outro lado, só entro num cinema carregando um livro. Se o filme não engatar, levanto e vou esperá-la num café. Já li muito assim.

O mesmo com livros. Ficção, faço como cinema: se não engatar, largo sem dó. Se me parecer que o santo não está batendo naquele momento, ainda deixo o marcador de página no lugar em que parei. Se não, nem isso. No caso da não-ficção, leitura não-linear para livros aborrecidos. Sem peso na consciência, salto capítulos, vou direto aos pontos que me interessam no momento, volto anos depois e leio o resto.

O mesmo vale para qualquer outro tipo de espetáculo: já saí de peças de teatro, apresentações de música clássica e até de uma ópera (um “Don Giovanni” pavoroso; fui para casa, estava passando UFC e vi o Anderson Silva lutar).

Até os trinta e poucos, se alguém me dissesse que um dia eu seria assim, receberia uma risada na cara. Quem me converteu foi o Tyler Cowen. Seu argumento pode ser resumido na frase “you’ve already lost your money, why waste your time?”.

Não sei se essa é a melhor maneira de consumir livros, cinema, espetáculos, etc, e, dada minha condição de diletante, francamente não há como saber. O Taleb provavelmente diria que as ciências humanas possuem pouco skin in the game e eu, em particular, estou no negativo nesse quesito (*). Se o output não pode ser avaliado com um mínimo de objetividade, como julgar a qualidade do input?

Uma saída seria apelar para aquilo que o mesmo Taleb chama de Lindy effect: ficar apenas com as obras consagradas pelo tempo, num programa de leitura e releitura dos clássicos. É difícil argumentar contra essa abordagem, exceto pelo lado da curiosidade. E se numa quinta-feira perdida eu entrar num cinema e topar com um filme maravilhoso? E se o romance daquele espanhol de trinta e dois anos for uma pérola? Acho que o método do Tyler Cowen dá a tênue esperança de um equilíbrio entre cânone e serendipity. Para mim, com zero skin in the game, tem funcionado.

(*) Ok, eu escrevi um romance em que meio que entrou tudo que li, assisti, ouvi na vida. Mas como julgá-lo? Crítica? Vendas? Prêmios? De novo, acho que o Taleb diria: Lindy. Vou pedir para meus filhos ficarem atentos às reações da posteridade.

Crônicas da Província do Brasil

Ontem à noite fui ver o Quadro Cervantes, conjunto brasileiro de música antiga, no Centro Cultural da Justiça Eleitoral aqui no Rio. Será que eu preferia pagar um ingresso para assisti-los numa sala privada? Claro. Mas talvez essa oportunidade custe a surgir. Deixemos pois essa questão. Não tinha idéia nem de que existia um Centro Cultural da Justiça Eleitoral. Entrando no prédio, logo fiquei com a impressão de que estava no Supremo Tribunal Federal, que as grandes questões jurídicas do Brasil eram resolvidas ali. Talvez no passado; hoje, certamente não. Mas é um prédio muito bonito, que está sendo restaurado.

Subindo as escadas para o local do concerto, descubro que ele acontece numa sala de audiências, exatamente como a desta foto, só que com a pintura das paredes toda descascada. Um lado da sala tem TVs de plasma enfileiradas; placas mostram elas são os restos de alguma exposição. Do outro lado, urnas. Isso mesmo, urnas. A sala tinha janelas imensas que davam para a rua; essas ficam fechadas, porque mesmo assim o barulho já estava prejudicando a audição. Outras janelas davam para o vão do prédio e para outra sala em estado igualmente decrépito. A acústica era tão ruim que mesmo com um espaço pequeno e 30 pessoas era preciso usar microfones. O resultado é que você ouvia um conjunto à sua frente e tinha a sensação de que havia um CD daquela apresentação sendo tocado logo atrás.

Imaginem a cena. Um excelente grupo de música antiga, com aqueles instrumentos medievais, na sala de audiência de um tribunal, com restos de eleições e exposições jogados nos cantos, num prédio que só não parecia abandonado porque estava em obras. Parecia que o mundo tinha acabado e que aquela poderia ser a última vez que se ouviria Machaut.

É por isso que há anos eu digo: o realismo fantástico é uma bobagem, porque basta simplesmente descrever a realidade latino-americana para ver que ela já é surreal e absurda. E esse absurdo vem da falta de senso histórico. O abandono daquele prédio mostra o desprezo pelo passado e ecoa no presente. Parece, na verdade, que aqui o mundo nunca acaba de acabar.

O que, é claro, é desmentido por indivíduos que buscam fazer o bem –fazer bem aquilo que é bom – sem se deixar abater pelo ambiente, como os membros do Quadro Cervantes.

Amor concedeu-me um prêmio (Antonio da Silva Leite)

Lundú (Anônimo)

Now Is the Month of May (Thomas Morley)

Gretchen am Spinnrade

Enquanto eu faço provas, escrevo trabalhos e ainda vivo a vida de profissional liberal, tenho que deixá-los com as minhas músicas favoritas… Essa é “Gretchen am Spinnrade”, cantada por Kiri Te Kanawa. Não sou grande fã dela: prefiro a primeira cantora lírica de quem realmente gostei, Gundula Janowitz, mas não consegui achar nada de Schubert com ela.

Veja uma tradução inglesa do trecho do Fausto que virou a letra da música.