Então a poesia não tem utilidade?

Este texto foi escrito para a revista Outros Baratos, do sebo Baratos da Ribeiro. A revista será distribuída na FLIP deste ano, e também no próprio sebo.

Quem acha que a poesia não tem utilidade, ou que é um fim em si mesma também deve achar que o ser humano não tem alma. Ler um livro de poemas pode se parecer, desde fora, com não fazer nada; e, se você não é aluno ou professor de literatura, talvez a leitura não tenha nenhum efeito benéfico tangível sobre a sua carreira.

Mas isso não quer dizer que a poesia não atenda a uma série de finalidades, mesmo para o leitor comum, a primeira das quais é a necessidade de entretenimento. Você não leria os dez cantos de Os Lusíadas se eles fossem chatos – embora, é claro, haja trechos chatos. Alguns poemas podem ser obscuros; isso não os torna chatos, porque jogos mentais podem ser divertidos. Diversão não é só beber e rebolar; e a diversão é uma finalidade, uma necessidade da alma que pode ser satisfeita de maneiras tão diversas quanto as sensibilidades.

A poesia também pode ter uma finalidade didática. No mesmo exemplo, aprendemos muito da história de Portugal com o relato de Vasco da Gama nos Cantos III a V. E como é bom poder recordar esta história usando fórmulas interessantes como “aconteceu da mísera e mesquinha / que depois de ser morta foi rainha” em vez de lutar contra um livro didático escrito numa linguagem vazia que se esquece tão logo se termina a leitura. A poesia é uma arte da linguagem, e quem quer que já tenha tido que ler algo mal escrito do início ao fim sabe o valor que tem a capacidade de se prender a atenção. E a finalidade didática por parte do artista é, muitas vezes, perfeitamente consciente e intencional; afinal, se os leitores podem dizer que aprenderam algo com uma obra de arte, por que o autor não poderia dizer que pretendeu ensinar? Não esqueçamos, aliás, que revelar, mostrar e apontar são modalidades de ensinar – e que ensinar não precisa ser a suposta inculcação de verdades com aspas.

Apenas estas duas finalidades por si, entreter e ensinar, já são exemplo suficiente de que a poesia pode ser perfeitamente útil – mas útil para a alma. Ler poesia não aumenta seu conforto material, nem economiza tempo; mas ajuda a descansar, serve de bálsamo para o espírito, produz motivações importantes, cria disposições para aprender certas coisas e até mesmo as ensina.