“Coisa é que admira e consterna”, diz o personagem Brás Cubas, do mulato Machado de Assis. Faço minhas as palavras do Bruxo do Cosme Velho: os eventos que tomaram a PUC na quarta-feira passada são, para dizer o mínimo, notáveis; para dizer o máximo… Bem, cada um saberá o que pensar.
O fato é que eu e mais três amigos publicamos um jornal (O Indivíduo) muito brando, quase anódino, em seu conteúdo – apesar dos temas tratados serem tidos como “polêmicos” – e fomos imediatamente atacados por uma multidão de alunos enfurecidos, que fizeram várias promessas contra a nossa integridade física. Promessas, aliás, que só não foram cumpridas graças à ação da segurança da universidade, que, mesmo assim, achou melhor que fôssemos embora o quanto antes, pois duvidava da possibilidade de nos manter inteiros se continuássemos na PUC.
Além disso, meus amigos foram avisados previamente de que qualquer tentativa de audiência com o reitor seria vetada. No dia seguinte, o reitor enviou uma carta à comunidade acadêmica em que condenava a nós, vítimas de uma agressão por parte dos alunos, como agressores. Cerca de cem pessoas perseguem três, e os agressores somos nós; aritmética muito curiosa, devo dizer.
O que pode haver de tão estarrecedor no jornal realmente me escapa. Há, é verdade, um texto meu que questiona a realização de uma Semana da Consciência Negra na PUC, mas os argumentos, além de perfeitamente legítimos, são rigorosamente os mesmos utilizados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em sua participação em uma séria de documentários sobre os 500 anos de História do Brasil, segundo notícia da página 3 de O Globo de 24/11/97. O presidente e eu seguimos a linha de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro: aqui no Brasil o povo se orgulha de ser miscigenado, e segundo o presidente, foi criada aqui “uma consciência muito especial”. Ou, como digo em meu artigo, o maior valor da cultura brasileira está justamente na desconsideração quanto ao fator raça – que não é mérito nem demérito –, integrando todos os povos que para cá vieram.
Se sou merecedor das acusações que me imputaram, também é o presidente Fernando Henrique Cardoso. E também os dois pilares da nossa ciência social, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Estou até agora completamente estarrecido – e creio que assim permanecerei por muito tempo – por ter sido tão atacado pelos alunos da PUC, filhos da elite carioca, e pela reitoria. Sou uma vítima que mal é capaz de entender o que aconteceu segundo os critérios mais comuns da razão humana, e só posso me arriscar a perigosas conjeturas se desejar uma verdadeira compreensão do assunto.
Parece-me que o que houve na PUC foi uma situação de totalitarismo; isso e mais nada. Totalitarismo da parte dos manifestantes; da parte do reitor, no mínimo imprudência, ao tomar partido dos agressores sem ter sequer ouvido o depoimento das vítimas.
O maior mal que posso me atribuir foi o de ter tido uma opinião contrária à do discurso dominante na PUC. Dominante não numericamente, note-se bem; acredito piamente que nosso jornal reflete a opinião da maioria silenciosa que integra o corpo de alunos da PUC. O discurso a que chamo dominante é dominante em termos de barulho, pois parte de um grupo organizado que se manifesta o tempo inteiro. A maioria mesmo permanece em silêncio, não se organiza e não se faz ouvir, ouvindo a minoria barulhenta sem sequer reclamar. Bater, jamais.