Desde a renúncia de Bento XVI, minha vida parece estar em suspenso, como num sonho.
Naquele dia, lembro que acordei, peguei o celular e vi o Twitter. Alguém tinha acabado de repassar alguma coisa do Guardian dizendo que o papa tinha renunciado. Pulei da cama, corri para o computador, mandei e-mails para todos os meus amigos: e aí, alguém está sabendo?
Poucos minutos depois eu já via que era de verdade. Acho que em meia hora já tínhamos o vídeo da renúncia.
Agora os cardeais elegeram o cardeal Bergoglio. Que sei eu dele? Nada, vou descobrir junto com todo mundo.
Hoje de manhã a Tanja Krämer (que não é um fake meu, não é a minha namorada, e que eu nunca sequer vi pessoalmente) me mandou um e-mail apenas com um link para um texto de John Thavis falando em Bergoglio. Vou confessar que nem cliquei. Não por despeito: hoje eu também entreguei mais uma tradução e precisava me concentrar.
Fica então o reconhecimento à Tanja, e mais uma rasteira: agora é acompanhar John Thavis também.
Sobre o conclave, algumas especulações:
1. Diz a lenda – é lenda na medida em que nunca teremos confirmações oficiais, só declarações em off de cardeais que vão querer permanecer anônimos, mas não quer dizer que não seja verdade – que Bergoglio foi o segundo colocado no conclave de 2005, pegando os votos do cardeal Martini.
2. Logo, parece razoável imaginar Bergoglio deve ter tido os votos de antes, dos cardeais criados por João Paulo II, mais alguns votos de alguns cardeais criados por Ratzinger.
3. Parece ainda não muito louco supor que os cardeais teriam pensado, diante da renúncia: “devíamos ter eleito Bergoglio”.
4. Thavis diz que Bergoglio causou boa impressão na congregação pré-conclave.
O que é mais lindo é que tudo isso poderia ter sido cogitado por qualquer um, mas não foi. Foram listas e mais listas de papáveis, Scherer, Dolan, O’Malley… E eu não vi ninguém falar do cardeal Bergoglio. (Mas eu também não estava prestando atenção no John Thavis.)
Outra coisa interessante – e até bela – é ver como a eleição de Bergoglio, ao menos inicialmente, vai contra a narrativa recente de cúria malvada x papa em estado de choque + cardeais que querem limpeza.
O erro dessa avaliação pode ter estado no óbvio. Nós, o mundo, estamos sempre olhando para o futuro. Agora eu poderia dizer que a Igreja está olhando para a eternidade, tudo bem, mas depois de olhar para a eternidade a Igreja olha para o passado. No caso, um passado que é quase presente: apenas oito anos atrás. Quem parecia boa opção na época continuará parecendo, a menos que surjam novas informações.
Porém, se realmente Bergoglio ficou com os votos de Martini, sendo visto como um modo de bloquear Ratzinger, pode ser que haja sim um embate de posturas vagamente na linha de conservadorismo x progressismo. Digo “pode ser” porque, afinal, onde estão as obras e as declarações progressistas do cardeal Bergoglio? As do cardeal Martini estão por toda parte.
O que não exclui a hipótese (que já é uma hipótese sobre uma hipótese sobre uma hipótese…) de que esses progressistas tenham votado em Bergoglio com o mesmo gosto com que teriam votado em Martini.
Um detalhe bem interessante nessas disputas é que elas podem ser muito relevantes e totalmente irrelevantes. Para o católico comum, distante da Cúria, mais vale o contato com um bom padre, uma liturgia cuidadosa, do que as opiniões de um cardeal. No entanto, discutir as grandes personalidades é ótimo; rezar que é bom, fazer o bem sem que a esquerda saiba o que a direita faz… E eu digo isso como um puxão de orelhas em mim mesmo.
Porém, minha sensação agora é, antes de tudo, de alívio. Depois, de grande alegria (annuntio vobis gaudium magnum, “anuncio-vos uma grande alegria”). A sé não está mais vacante.
Hoje, antes de dormir, rezarei pelo papa Francisco – e, pela segunda vez no dia, rezarei pelo papa emérito Bento XVI.