Explicando a direita para a esquerda (e vice-versa)

Outro dia no Twitter apareceu-me uma dessas distinções mordazes de que revelam uma verdade com um clarão: “história cultural” é estudar o que outras pessoas pensavam; “história intelectual” é você mesmo tentar discutir com outros pensadores do passado. Esses dois tipos de história nascem de duas atitudes diferentes, claro. A primeira cataloga e guarda pensadores, sem deixar de lado a possibilidade de eventual consumo. A segunda se deixa questionar pelos pensadores. É a banalíssima distinção entre tratar alguém como objeto e tratar alguém como sujeito.

Essa é a questão que reaparece em todo o debate em torno de Jordan Peterson*, dessa vez de maneira mais clara do que da vez em que apareceu na eleição de Trump.

A New York Magazine vem com um artigo que tenta explicar “Por que eles dão ouvidos a Jordan Peterson”, que ainda aparece na deliciosa tag “O que a direita está lendo”. E pronto: o artigo segue pela mesma linha, admitindo que Peterson é um homem razoável quando diz algo com que o autor concorda, e simplesmente descartando as partes que desagradam ao autor.

Sim, é claro, a direita faz a mesma coisa, e trata seus adversários como objetos a serem explicados. E então a esquerda — atualmente desnorteada — redobra o ataque com novos rótulos, sendo “direita xucra” a etiqueta du jour.

No entanto, como falei, é essencialmente a esquerda quem passa por um momento de perplexidade. (A direita não deve se enganar: ela ascenderá e decairá, e ficará igualmente tonta.) Essa perplexidade nasce dessa atitude que já foi institucionalizada: reduzir o outro lado a um objeto a ser explicado. O catálogo de rótulos da esquerda é infinitamente mais variado e complexo que o da direita, que recentemente apenas conseguiu passar de “comunista” para “neo-marxista”, mas sua própria complexidade só faz aumentar o assombro impotente diante daqueles que, numa abominável demonstração de vontade própria, não seguiram o plano que lhes tinha sido traçado.

Fazer história cultural pode ser uma conveniência, e reduzir pode ser muitas vezes tão inevitável quanto necessário. Porém, nesse momento de crise, a atitude de descartar por meio de rótulos nunca me pareceu uma estratégia tão suicida.

* Se admiro o estoicismo e a capacidade argumentativa de Jordan Peterson, especialmente em pessoa, meu interesse por René Girard me impede de acompanhá-lo em suas considerações junguianas sobre mitos como “mapas de sentido”. Isto mereceria um post à parte, talvez no blog Miméticos, mas por ora limito-me a admitir que tomar mitos arcaicos como chaves para o entendimento da própria vida pode até surtir efeitos positivos, ou trazer uma sensação de bem-estar, mas a interpretação dos mitos utilizada para esse fim é simplesmente falsa.

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