Admito que fiquei envaidecido quando vi Robert Moynihan fazer duas observações semelhantes às que eu fizera duas semanas antes: uma comparação entre os conclaves de 2005 e de 2013 nos termos que propus, e uma análise de como o contato entre os cardeais vai interferir no conclave.
Um problema de falar sobre o conclave é que se corre o risco de tentar ser mais esperto do que o colégio de cardeais e, em última análise, do que o próprio Espírito Santo.
Por isso, o melhor é tentar ser humilde e ater-se ao óbvio.
Os cardeais já estão se reunindo a portas fechadas. As reuniões formais só acontecem de manhã. Como o próprio Moynihan observou, isso significa que os cardeais estão querendo mais tempo para conversas informais. O conclave, por sua vez, é uma eleição formal e pode ser resolvido até no mesmo dia. Daí que, com tantas reuniões entre os cardeais, consigo imaginar dois cenários extremos: de um lado, o conclave já começa com um papa informalmente eleito; de outro, os cardeais veem que os problemas da Igreja são um buraco sem fundo e o conclave se arrasta. Francamente, não acredito muito nessa segunda hipótese, lembrando que ela é uma hipótese extrema.
Como já falei, a maior parte dos cardeais não tem qualquer função na Cúria Romana, e todos sabem que o anel do Pescador dá poderes de monarca absoluto. Mais ainda, se alguém quiser atribuir a Ratzinger um maquiavelismo genial que eu mesmo não lhe atribuo, sua renúncia gerou a narrativa do papa bom contra a Cúria corrupta. Isso dá força para qualquer cardeal de fora da Cúria. Num assunto como o conclave, quase tudo é misterioso, porque nem os mais tremendos vaticanistas têm acesso a dados fundamentais, mas eu arriscaria dizer que, se os grandes perdedores forem Sodano e Bertone, ninguém que tenha acompanhado o papado de Bento XVI vai ficar muito surpreso.
Por outro lado, o maior problema, que certamente afeta a mim mesmo, é acreditar que o conclave é pautado pelo que se lê na mídia. É um pouco inevitável que isso aconteça, porque tudo relacionado ao conclave é realizado em segredo. Ainda assim, é preciso manter sempre uma ressalva interior.
Sobre as coisas que saem na mídia, porém, é possível fazer alguns comentários, necessários porque os jornalistas aparentemente sequer se dão ao trabalho de pensar como alguém de dentro da Igreja.
Primeiro, a Igreja não é a Apple. A Apple pode ficar preocupada se as pessoas preferirem telefones Android aos iPhones, mas a Igreja não funciona assim, porque ela não está tentando gratificar a plateia em troca de dinheiro ou da ostentação de uma identidade. Eu sei, você acha que não, que a religião é mentira etc., mas será que você não acredita nem na sinceridade subjetiva?
Disso deriva outra coisa. O papa não será eleito por seu carisma potencial perante a plateia. Ontem mesmo li no jornal que Dom Odilo Scherer poderia ser eleito para reforçar a presença de Igreja na América Latina. O que leva alguém a escrever isso? Quem, senão Policarpo Quaresma, cogitaria converter-se porque o papa é da sua nacionalidade? A eleição de Ratzinger levou a um surto de catolicismo na Alemanha?
(Mas confesso que tive uma alucinação esses dias em que ouvia o nome de Dom Odilo anunciado na praça de São Pedro.)
Disso também deriva que, para os cardeais, pouca diferença faz que o papa seja negro, oriental ou o que for. Eu mesmo adoraria ver o cardeal Arinze eleito, ou Ranjith. Mas os cardeais realmente não vão pensar: “Caramba, hora de colocar um nigeriano no trono de São Pedro!”
Por fim, se há algo que dá genuinamente a impressão de um embate perpétuo entre Igreja e mundo, é a lenga-lenga que nunca para de sair na imprensa sobre exatamente… a Igreja e o mundo.
Saem aquelas afirmações gratuitas de que a Igreja perdeu fiéis porque não relaxou sua moral. Há o pressuposto de que a função da Igreja é falar o que as pessoas querem ouvir, e que a relação das pessoas com a religião é semelhante à que elas têm com seus carros, ou celulares etc.
Há aquelas afirmações que já pulo, por cansaço. A Igreja nunca vai aprovar o aborto, o divórcio, o casamento homossexual, a ordenação de mulheres (João Paulo II proibiu até que a ordenação de mulheres sequer fosse discutida). Nutrir uma vaga expectativa de que isso possa acontecer é condenar-se à frustração, isso supondo sinceridade da parte de quem diz esperar essas coisas. Mais ainda, a Igreja acha que ficar ouvindo essas reivindicações, ou ficar lendo que o próximo papa deveria ser um pouco mais parecido com um editorialista do New York Times, é apenas uma parte desprezível dos seus necessários incômodos terrestres. Eu imagino que os cardeais às vezes até se divirtam dando entrevistas: “Vou dizer ao jornalista que o papa tem de ser ‘um cara antenado’, ele vai botar isso em destaque!”
E continuemos a rezar.
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