Um grão de mostarda

Todos esses dias eu venho pensando em escrever um texto sobre Bento XVI. Fico esperando a disposição interior correta. Ela não vem. E começo a pensar que é preciso fazer as coisas com ou sem a disposição. Fazendo, a disposição vem. Logo acabarei usando esse método.

Robert Moynihan conta que encontrou um cardeal na rua e que ele, quase chorando, diz que Bento XVI nunca deveria ter renunciado. Minhas simpatias, cardeal. Há um misto de estarrecimento e de apego à figura de Ratzinger. Aliás, não importando quem o conclave eleja, Ratzinger vai dar o perfil teológico da Igreja pelos próximos 100 anos. Esse tipo de coisa funciona assim: você esbarra num problema, e se lembra, ou alguém lembra, que Ratzinger tinha dito que…

Contudo, se o cardeal na rua estava ainda abalado, o cardeal Arinze, que conviveu com Ratzinger na Cúria, parecia ter uma fé imensa.


O cardeal Arinze fala inglês claro – e é impossível não gostar dele.

E agora que o conclave começa, tento pensar nessa fé. Se o gesto de Ratzinger não nos convida a ter fé não nele, não num homem, mas no Espírito Santo.

Mesmo assim, a primeira coisa que ouço em meu coração é: reelejam Ratzinger.

Mas, como o conclave é misterioso, vou tentando ver os rostos dos cardeais, pensando que um deles será o novo papa. Posso torcer por Ranjith e O’Malley, posso não ter grande simpatia por outros. E daí?

Robert Moynihan também diz que encontrou uma velhinha – eu muitas vezes acho que ele conta umas coisas como fábulas – que falou bem de Schönborn – logo aquele que eu disse que não poderia ser eleito. Seria uma bela lição para mim, o único exemplo que eu dei de “esse aqui não” ser o escolhido.

Quando se tenta ser cristão, é preciso conviver com essas rasteiras amigas que o Espírito Santo dá. Não se aprende a humildade sem comer um pouco de pó.

Agora, pela lógica da velhinha – três papas da Europa Central, falta um – o cardeal Erdo também seria papável. Com o detalhe de se chamar Peter e agradar aos devotos das profecias de São Malaquias.

Vamos rezar que ainda é tempo.

E confesso que na quinta à tarde eu tenho um compromisso. Quero muito que já tenhamos um papa até lá!

Scherer de um lado, Dolan de outro?

Ontem, Sandro Magister, com um tom que não me parece muito comum em seus artigos (link para a tradução em português do indispensável Fratres; lembro que Magister publica em italiano, inglês, francês e espanhol), começou a soltar informações e a especular, citando como fontes apenas “vazamentos”. O que achei interessante foi que Robert Moynihan ecoou algumas das especulações, então vale um pequeno comentário.

Mas antes de tudo, o comentário mais importante é: pelo menos nos dois últimos conclaves, todos os jornalistas e vaticanistas erraram muito feio. Ninguém esperava o papa polonês, ninguém esperava o papa alemão. Acredito que isso deveria bastar para colocar alguma humildade nas especulações. Porém, Magister e Moynihan são jornalistas com público garantido; se eles especularem e acertarem, ponto para eles; se errarem, você vai parar de lê-los? Nem eu.

Magister (parece um nome de personagem, Sandro Professor) ainda traz uma informação interessante (supondo que seja verdadeira): o número de votos de cada escrutínio do último conclave, e ainda números dos escrutínios de alguns conclaves do século XX, todos confirmando, supostamente, que o conclave sempre começa com um favorito e que esse favorito ganha. E vou insistir: Ratzinger teria saído como favorito desde o primeiro escrutínio e isso confirma o descompasso entre a mente da imprensa, inclusive dos vaticanistas mais sérios, e a mente do colégio de cardeais.

O que Magister diz, em suma, é que o cardeal Sodano estaria por trás de uma articulação para eleger Dom Odilo Scherer como papa. Assim, ele seria o candidato, digamos, da continuidade. Mas que ninguém por isso pense em Dom Odilo como uma marionete etc. Pouco sabemos do reservado Dom Odilo – mas sua defesa da Cruz na PUC de São Paulo é admirável. Magister também diz que Dom Odilo não é popular no Brasil e que sua candidatura à presidência da CNBB foi sumariamente vetada duas vezes (quem tiver fontes e quiser me escrever, agradeço). Nós aqui no Brasil conhecemos a CNBB e podemos tirar nossas próprias conclusões.

(Sensacionalismo sobrenatural: pelas famosas profecias de São Malaquias, tão precisas quanto as de Nostradamus, o próximo papa seria “Pedro Romano”. Dom Odilo se chama Dom Odilo Pedro Scherer.)

Do outro lado estariam o cardeal Dolan, arcebispo de Nova York, e o cardeal O’Malley, de Boston, que ainda fala português e espanhol. Mas o mais interessante é que estaria delineada uma disputa entre uma linha “ratzingeriana” (que ainda incluiria Ouellet) e outra “não-ratzingeriana”.

Agora, se os cardeais de maneira geral realmente pensarem que a Cúria está desgovernada e que a renovação é necessária, é difícil que Sodano vença. Simplesmente porque existem mais cardeais fora da Cúria do que dentro dela; mais cardeais fora da Itália do que dentro dela. Aliás, mesmo entre vaticanistas, duas coisas parecem ser ponto pacífico: João Paulo II não estava nem aí para a Cúria, e Bento XVI num dado momento desistiu de tentar reformar a Cúria.

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Vale fazer uma observação sobre o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, que sempre vejo nas listas de papáveis. Do ponto de vista da Igreja, ele é… controverso. Teria anunciado o donwsizing da Igreja em Viena; arrumado confusão com o bispo de Medjugorje; e dado alguma declaração que rendeu, segundo li (quisera eu achar a fonte, mas creiam em mim), uma bronca tripla e conjunta, do papa Bento XVI, do cardeal Bertone (secretário de Estado) e do cardeal Sodano (decano do colégio de cardeais), que o esperavam numa salinha, aparentemente já de cara amarrada. A reunião do alto comando vaticano com o cardeal é confirmada por fontes oficiais (cliquem nesse link, vale muito a pena). O teor dela é que circulou entre os vaticanistas. E esse é o tipo de notícia que não circula na imprensa não-especializada, mas que circula entre os cardeais. Os cardeais jamais vão desrespeitá-lo. Mas daí a colocá-lo no trono de Pedro é outra história.

Por isso, se alguém quiser uma lista de papáveis com algum grau de realismo, precisa procurar esse tipo de informação. É preciso um currículo impecável. E nesse sentido mais vale ser alguém de quem se sabe pouco, como Dom Odilo, do que alguém de quem se sabe muito.

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Mais de uma pessoa me escreveu como que pedindo um destaque maior para Antonio Socci, que teria previsto a renúncia do papa. Vejam: sem querer desmerecer Socci (de modo algum!), desde Pio XII todos os papas prepararam documentos de renúncia. Entendo que Socci queira enfatizar que disse que Bento XVI renunciaria. Mas, de modo geral, a posição de prudência em relação a esse tipo de afirmação ainda me parece mais recomendada.

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Num ponto concordo com Sidney e Carlos: é bad form desejar que Chávez vá para o inferno. Amai os vossos inimigos etc.

Sobre o conclave que se aproxima

Admito que fiquei envaidecido quando vi Robert Moynihan fazer duas observações semelhantes às que eu fizera duas semanas antes: uma comparação entre os conclaves de 2005 e de 2013 nos termos que propus, e uma análise de como o contato entre os cardeais vai interferir no conclave.

Um problema de falar sobre o conclave é que se corre o risco de tentar ser mais esperto do que o colégio de cardeais e, em última análise, do que o próprio Espírito Santo.

Por isso, o melhor é tentar ser humilde e ater-se ao óbvio.

Os cardeais já estão se reunindo a portas fechadas. As reuniões formais só acontecem de manhã. Como o próprio Moynihan observou, isso significa que os cardeais estão querendo mais tempo para conversas informais. O conclave, por sua vez, é uma eleição formal e pode ser resolvido até no mesmo dia. Daí que, com tantas reuniões entre os cardeais, consigo imaginar dois cenários extremos: de um lado, o conclave já começa com um papa informalmente eleito; de outro, os cardeais veem que os problemas da Igreja são um buraco sem fundo e o conclave se arrasta. Francamente, não acredito muito nessa segunda hipótese, lembrando que ela é uma hipótese extrema.

Como já falei, a maior parte dos cardeais não tem qualquer função na Cúria Romana, e todos sabem que o anel do Pescador dá poderes de monarca absoluto. Mais ainda, se alguém quiser atribuir a Ratzinger um maquiavelismo genial que eu mesmo não lhe atribuo, sua renúncia gerou a narrativa do papa bom contra a Cúria corrupta. Isso dá força para qualquer cardeal de fora da Cúria. Num assunto como o conclave, quase tudo é misterioso, porque nem os mais tremendos vaticanistas têm acesso a dados fundamentais, mas eu arriscaria dizer que, se os grandes perdedores forem Sodano e Bertone, ninguém que tenha acompanhado o papado de Bento XVI vai ficar muito surpreso.

Por outro lado, o maior problema, que certamente afeta a mim mesmo, é acreditar que o conclave é pautado pelo que se lê na mídia. É um pouco inevitável que isso aconteça, porque tudo relacionado ao conclave é realizado em segredo. Ainda assim, é preciso manter sempre uma ressalva interior.

Sobre as coisas que saem na mídia, porém, é possível fazer alguns comentários, necessários porque os jornalistas aparentemente sequer se dão ao trabalho de pensar como alguém de dentro da Igreja.

Primeiro, a Igreja não é a Apple. A Apple pode ficar preocupada se as pessoas preferirem telefones Android aos iPhones, mas a Igreja não funciona assim, porque ela não está tentando gratificar a plateia em troca de dinheiro ou da ostentação de uma identidade. Eu sei, você acha que não, que a religião é mentira etc., mas será que você não acredita nem na sinceridade subjetiva?

Disso deriva outra coisa. O papa não será eleito por seu carisma potencial perante a plateia. Ontem mesmo li no jornal que Dom Odilo Scherer poderia ser eleito para reforçar a presença de Igreja na América Latina. O que leva alguém a escrever isso? Quem, senão Policarpo Quaresma, cogitaria converter-se porque o papa é da sua nacionalidade? A eleição de Ratzinger levou a um surto de catolicismo na Alemanha?

(Mas confesso que tive uma alucinação esses dias em que ouvia o nome de Dom Odilo anunciado na praça de São Pedro.)

Disso também deriva que, para os cardeais, pouca diferença faz que o papa seja negro, oriental ou o que for. Eu mesmo adoraria ver o cardeal Arinze eleito, ou Ranjith. Mas os cardeais realmente não vão pensar: “Caramba, hora de colocar um nigeriano no trono de São Pedro!”

Por fim, se há algo que dá genuinamente a impressão de um embate perpétuo entre Igreja e mundo, é a lenga-lenga que nunca para de sair na imprensa sobre exatamente… a Igreja e o mundo.

Saem aquelas afirmações gratuitas de que a Igreja perdeu fiéis porque não relaxou sua moral. Há o pressuposto de que a função da Igreja é falar o que as pessoas querem ouvir, e que a relação das pessoas com a religião é semelhante à que elas têm com seus carros, ou celulares etc.

Há aquelas afirmações que já pulo, por cansaço. A Igreja nunca vai aprovar o aborto, o divórcio, o casamento homossexual, a ordenação de mulheres (João Paulo II proibiu até que a ordenação de mulheres sequer fosse discutida). Nutrir uma vaga expectativa de que isso possa acontecer é condenar-se à frustração, isso supondo sinceridade da parte de quem diz esperar essas coisas. Mais ainda, a Igreja acha que ficar ouvindo essas reivindicações, ou ficar lendo que o próximo papa deveria ser um pouco mais parecido com um editorialista do New York Times, é apenas uma parte desprezível dos seus necessários incômodos terrestres. Eu imagino que os cardeais às vezes até se divirtam dando entrevistas: “Vou dizer ao jornalista que o papa tem de ser ‘um cara antenado’, ele vai botar isso em destaque!”

E continuemos a rezar.

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