Liberdade religiosa

Do meu artigo desta segunda, publicado no OrdemLivre.org:

Não é que o Vaticano ignore os problemas surgidos após o Concílio e a nova liturgia. O Vaticano, porém, preocupa-se com a continuidade, com a interpretação do Concílio “à luz da Tradição” (não da FSSPX), e procura encontrar uma maneira de estar em um mundo que mudou. Afinal, antes de ser um direito, a liberdade de consciência é um fato: mesmo que haja leis contra o ateísmo, não é possível impedir alguém de ser intimamente ateu – exatamente como não é possível para um regime de ateísmo obrigatório abolir a religião. E enquanto a FSSPX parece preferir a fórmula “trono e altar” questionada pelas revoluções americana e francesa, Ratzinger, em conferência de 1996 publicada em seu livro Fé, verdade e tolerância (Raimundo Lúlio, 2007) diz prudentemente que “não existe uma única opção política correta”.

Escrito, aliás, pouco depois de ler um ótimo artigo sobre aquilo que realmente divide a FSSPX e o Vaticano: a questão da liberdade religiosa.

E não custa recomendar de novo o livro Fé, verdade e tolerância, do Papa Bento XVI.

Curso sobre Hobbes com Martim Vasques da Cunha

Anatomia da Crise

O Leviatã e o mundo atual

Martim Vasques da Cunha

12 aulas semanais, quartas-feiras, do dia 25/03 até o dia 17/06

Como compreender a crise atual? Nos jornais, nas revistas e em programas de televisão todos buscam uma análise confiável da situação; lemos com atenção na internet qualquer texto que nos dê uma informação mais privilegiada; esperamos que o governo crie uma solução adequada ao problema. Mas nada acontece. Talvez a compreensão da época em que nos encontramos esteja em um livro escrito no século XVII, enquanto o seu autor vivia um dos períodos mais conturbados da Europa: o Leviatã, de Thomas Hobbes.

Neste clássico da filosofia política, percebemos uma reflexão minuciosa de uma sociedade em crise e a busca de um fim para os problemas. Será que um livro de tempos passados pode nos ajudar a entender o que ocorre em nossos tempos repletos de progresso, globalização econômica e tecnologia avançada?

Para chegarmos a qualquer resposta, temos de enfrentar as páginas deste livro e ver se, antes de tudo, as suas conclusões correspondem aos nossos verdadeiros anseios de ordem e de paz.

Por isso, o IICS montou um seminário especial sobre o tratado de Thomas Hobbes. Serão 12 aulas semanais de leituras sistemáticas a partir do próprio texto e relacionando-o com eventos atuais e históricos, sempre acompanhados por um tutor que orientará o aluno em suas dúvidas e inquietações.

As aulas estão estruturadas da seguinte forma:

1a. Parte: A Crise do Homem

a. Contexto histórico e biográfico de Thomas Hobbes; a teoria do conhecimento de Hobbes

b. A Natureza Humana segundo Hobbes

c. O medo da morte violenta

d. A análise de Hobbes da loucura e do orgulho

2a. Parte: A Crise da Sociedade

a.O contrato social segundo Hobbes

b. A soberania segundo Hobbes (I)

c. A soberania segundo Hobbes (II)

d. A relação entre súdito e soberano

3a. Parte: A Crise do Governo

a. A justificativa da soberania total

b. A leitura da Bíblia segundo Hobbes

c. O problema do Mal segundo Hobbes

d. A obediência completa

4a. Parte: A Crise da Religião

a. A religião segundo Hobbes

b. Hobbes contra a tradição ocidental

c. Hobbes confronta as igrejas

d. As religiões políticas

Preço: 10x de R$ 180,00

Processo Seletivo: Será realizado pelo coordenador geral do departamento de Humanidades através do preenchimento da ficha de avaliação e de uma entrevista.

Martim Vasques da Cunha é jornalista, escritor, mestre em Filosofia da Religião pela PUC-SP, coordenador do Departamento de Humanidades do IICS e co-editor da revista cultural “Dicta&Contradicta”.

Liberdade e privacidade na internet

Em artigo que escrevi hoje para o OrdemLivre.org.

A questão principal, em suma, é que o nível de especialização necessário para realmente dominar as tecnologias de informação tem um custo de aquisição muito mais alto do que a vasta maioria dos usuários está disposta a pagar, eu incluso. Por sua vez, essa ignorância leva à exposição e ao potencial fim da privacidade e da liberdade. Apenas duas coisas impedem a vigilância perpétua de grande parte da população: o custo e a crença de que isso é errado. Duas coisas que provavelmente tendem a diminuir.

O verdadeiro e o verossímil

Não levantarás falso testemunho contra teu próximo.

Exôdo, 20, 16

Eu já deveria ter escrito isso aqui há anos, muitos anos. Lamento. Antes tarde do que nunca. É uma pequena lição sobre como é fácil tomar como verdadeiro aquilo que parece verossímil.

Não gosto de Al Gore. Nunca gostei. Comecei a me interessar por política americana em 1995, vivendo nos EUA, e já não gostava de Al Gore naquela época. Minha aversão por Al Gore me fazia acreditar em tudo que se falava contra Al Gore. Eu não diria que em 1995 eu era “de direita”, mas acho que só me considerei “de esquerda” durante uns poucos meses de 1993.

Agora, uma pausa para inserir um novo dado. Em 1998, comecei a ler o WorldNetDaily. Era muito interessante por ser muito distinto da grande mídia. Um de meus colunistas favoritos era J.R. Nyquist. Mas não tardou para que eu me cansasse de suas previsões apocalípticas. Se tudo aquilo era verdade, a Terceira Guerra Mundial tinha de começar logo. Logo Nyquist deixou de escrever no WND e eu, assim como alguns amigos que também o liam, achamos que isso se deveu à falta de uma Terceira Guerra Mundial. Afinal, a credibilidade dos analistas aumenta com sua capacidade de previsão. Cansei de esperar a Terceira Guerra Mundial, a revolução comunista etc.

Ainda assim, a idéia de uma integridade maior da mídia alternativa “de direita” contra a integridade da grande mídia me parecia bem clara. Expurgaram um maluco justamente por isso. E, como eu mesmo fui vítima da pouca integridade de um jornalista, num grande jornal carioca, a idéia de que a grande mídia não merecia credibilidade era perfeitamente cristalina. Injustiça, talvez, tomar a parte pelo todo. Mas quando você é maltratado publicamente por um covarde, é difícil não ficar cego de raiva. Ao menos aos 20 anos. Depois o jornalista, como se dizia à época, despontou para o anonimato. E nós, majestaticamente, aqui estamos.

A lição que ficou dizia respeito ao poder de um jornalista de criar uma impressão sobre a pessoa de alguém. Alguém me disse uma vez que São Francisco de Sales teria dito que um dos maiores bens terrenos (acho que depois da saúde) era o bom nome. Por isso até agradeço pela discrição daqueles a quem fiz mal (espero não os ter esquecido e reparar o que devo) e espero devolver essa mesma discrição. Não acusemos; resolvamo-nos.

Pois bem. Era um belo dia do ano 2000, quando eu li uma coluna de Joseph Farah sobre Al Gore. Farah, que se propunha (há tempo demais nem vejo o WND, não sei quão cheia está a bola do homem) o Grande Bastião da Verdade Jornalística, dizia que Gore, em seu livro Earth in the Balance, afirma que talvez a vida de uma árvore – ou, vá lá, três – é pelo menos tão importante quanto a vida de uma pessoa. Farah dizia: “Ele realmente não consegue decidir o que tem mais valor intrínseco – a vida de um ser humano ou a vida de uma árvore”. Depois disso, tomava duas frases do livro que provariam sua tese.

O problema é que Gore na verdade argumenta o seguinte: para talvez curar uma certa doença em uma pessoa, é preciso cortar pelo menos três árvores; considerando a quantidade de doentes e a de árvores, mais o tempo que a árvore demora para crescer, se tratarmos todos os doentes do presente não poderemos tratar nenhum doente no futuro. Por mais que eu continue não gostando de Al Gore, não me parece que apresentar essa questão, ou mesmo tratá-la como um dilema, seja sinal de maluquice, e muito menos sinal de que ele prefere a vida de uma árvore à vida de uma pessoa. Se você não viu o livro, pode ver a citação na Wikipedia.

Mais: concedo que a averiguação de muitos fatos pode ser difícil. Se me dizem que X israelenses ou Y palestinos foram mortos em tais ou quais circunstâncias, eu só tenho a credibilidade da fonte. Como há fontes divergentes, já é razoável dizer que a escolha de uma fonte em detrimento de outra seja determinada por alguma convicção anterior, que aliás pode não ter nada a ver com o assunto do momento. Mas a averiguação de um livro é muito fácil. Basta… Abrir o livro. Trata-se de um esforço bastante pequeno para quem alardeia a si próprio como Grande Bastião da Verdade, a Consciência Viva da Civilização Ocidental etc.

É por isso, enfim, que eu digo: não é porque algo lhe parece verossímil que é verdadeiro. O fato de aquilo ser verossímil pode ser só a medida de sua antipatia, isto é, pode apenas dar uma informação sobre você e não sobre outra pessoa ou assunto. Achar que essa atitude é monopólio da esquerda é coisa de quem jamais examinou a si mesmo.

Como elaborar sua filosofia política

Uma das minhas expressões favoritas da língua inglesa é to put your money where your mouth is, ou arcar com os custos daquilo que se propõe. E como qualquer idioma pode ser enganador, eu doravante proponho que, em vez de alguém dizer-se socialista, social-democrata ou monarquista, troque as palavras “sou a favor de” pelas palavras “quero pagar com meu dinheiro”. Vejam só os resultados.

“Sou a favor de BLABLABLA para todos.” = “Quero pagar com meu dinheiro para que uma casta privilegiada administre a distribuição de BLABLABLA para todos.”

“Sou a favor da monarquia.” = “Quero pagar com meu dinheiro pelas férias de gente que tem sobrenome comprido.”

“Sou a favor de que todos contribuam.” = “Quero pagar com meu dinheiro para que outras pessoas sejam forçadas a pagar e assim meu custo seja diminuído. Porque eu até quero pagar, mas bem pouquinho, só para calar minha consciência.”

O Papa, esse grande liberal

Essa semana saiu um texto na Zenit bom demais para não ser reproduzido integralmente:

Liberalismo precisa voltar a abrir-se para Deus, adverte Papa

Em uma carta enviada a Marcello Pera por ocasião de seu último livro

CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 2 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Bento XVI escreveu uma carta ao filósofo e senador italiano Marcello Pera para agradecer a contribuição que oferece em seu último livro, dedicado a expor que o fundamento do liberalismo se encontra na relação da pessoa com Deus.

O volume, que leva por título «Por que temos que dizer-nos cristãos. O liberalismo, Europa, a ética» («Perché dobbiamo dirci crisiani. Il liberalismo, l’Europa, l’etica», Mondadori, Milão, 2008), será apresentado nesta quinta-feira em Roma.

Após confessar que foi «uma leitura fascinante», o Papa elogia a análise que faz do liberalismo «a partir de seus fundamentos, mostrando que na essência do liberalismo se encontra o enraizamento na imagem cristã de Deus: sua relação com Deus, de quem o homem é imagem e de quem recebemos o dom da liberdade».

Marcello Pera (Lucca, 28 de janeiro de 1943), presidente do Senado italiano na última legislatura, dedicou sua pesquisa acadêmica ao filósofo austríaco Karl Popper, teórico da «sociedade aberta», de quem era amigo pessoal.

«Com uma lógica irrepreensível, você mostra como o liberalismo perde sua base e se destrói se abandona este fundamento», reconhece o bispo de Roma.

O Papa também manifesta sua admiração pela análise que o filósofo faz da liberdade e da multiculturalidade, na qual «mostra a contradição interna deste conceito e, portanto, sua impossibilidade política e cultural».

«É de importância fundamental sua análise sobre o que podem ser a Europa e uma Constituição européia na qual a Europa não se transforme em uma realidade cosmopolita, mas que encontre, a partir de seu fundamento cristão-liberal, sua própria identidade», assinala.

O Santo Padre se detém também na análise do senador sobre os conceitos de diálogo inter-religioso e intercultural.

«Você explica com grande clareza que um diálogo inter-religioso, no sentido estrito da palavra, não é possível, e que é particularmente urgente o diálogo intercultural, que aprofunda nas conseqüências culturais da decisão religiosa de fundo.»

«Ainda que sobre esta última, um verdadeiro diálogo não é possível sem pôr entre parênteses a própria fé, é necessário enfrentar no debate público as consequências culturais das decisões religiosas de fundo», indica.

O Papa considera que as propostas de Pera são necessárias para superar «a crise contemporânea da ética».

«Você mostra que o liberalismo, sem deixar de ser liberalismo, mas sim, para ser fiel a si mesmo, pode referir-se a uma doutrina do bem, em particular à cristã, que lhe é familiar, oferecendo assim verdadeiramente uma contribuição para superar a crise», indica.

Liberalismo anticristão

Em uma entrevista concedida à Rádio Vaticano (28 de novembro de 2008), Pera explica os motivos pelos quais o liberalismo em ocasiões se converteu em anticristão.

«No que se refere à Europa, em particular, se dá uma explicação histórica – indica. Muitos se encontraram com freqüência em conflito com a Igreja Católica, e é um fato amargo da história da Europa que não se dá na história dos Estados Unidos.»

«Alguns estados nacionais – Itália, França… – se constituíram como Estados-nação com uma luta, com uma disputa contra a Igreja Católica», recorda.

«Isso gerou o que é conhecido como o fenômeno do anti-clericalismo, e o anti-clericalismo gerou outro: o que chamo no livro de ‘equação leiga’, ou seja, ‘liberal = não cristão’.»

«Isso é um erro, pois se pode discutir historicamente sobre os méritos e deméritos da Igreja Católica na Europa nos momentos da fundação dos estados nacionais, mas não se pode discutir a importância da mensagem cristã», indica.

Opta-se pelo anticristianismo, o que Pera chama de «a apostasia do cristianismo»: «perdemos as mesmas virtudes, os mesmos fundamentos dessas liberdades e esses direitos sobre os que se fundam nossos estados liberais».

Sergio Biasi me chama de cínico e arremata, contagiado pela audácia:

A esperança de que o Obama seja pelo menos um pouco do que parece que é, que ele seja uma pessoa idealista e decente e esclarecida tentando de alguma forma impedir que os Estados Unidos caiam nas mãos do obscurantismo fundamentalista.

Diante desse sentimento tão puro em relação ao Luke Skywalker (ou talvez Lando Calrissian) da política só consigo pensar em uma coisa:

Obama é o Flamengo

Por que alguém que mora e vive no Brasil pode depositar tanta, digamos, energia emocional num candidato, e ainda mais num candidato à presidência americana? Fico pensando em como isso pode afetar sua vida particular, e o número dessas pessoas parece bastante diminuto. Para nós que no máximo visitamos os EUA a única coisa que mudou foram as medidas de segurança nos aeroportos, e parece razoável dizer que após o 11 de setembro qualquer presidente as teria instituído.

Aliás, mesmo descendo ao mais imediato dos níveis, a diferença que a maior parte das pessoas sente em suas vidas privadas com a eleição de um prefeito é mínima. Pensando na prefeitura do Rio, onde morei quase sempre, só consegui lembrar de duas coisas: Cesar Maia encheu a cidade de placas, o que foi muito bom, e fez o tal do Rio Cidade, justamente enquanto eu não morava aqui, zerando seu placar positivo com o abominável obelisco de Ipanema. Nem as placas nem o obelisco foram promessas de campanha. Fora isso, as coisas continuaram idênticas. Consigo me lembrar de outras coisas feitas por políticos, mas elas não vieram do, com o perdão do jargão, âmbito municipal.

Isso é que me faz crer que, desde o ponto de vista do cidadão privado, a escolha de um candidato é semelhante à escolha de um time. Que diferença faz o Flamengo ganhar ou perder? Só uma diferença emocional. Você resolveu agregar algo à sua identidade e por isso quer que esse algo seja sempre vencedor sob algum aspecto – se não ganhar no placar, vai jogar melhor, ter mais títulos, sei lá. O impacto emocional que uma vitória ou derrota tem é infinitamente maior do que o impacto externo, e a mesma coisa vale para a vitória nas eleições. Cá no Rio, sei que a minha repulsa por Paes conseguia superar até a minha repulsa pelo ex-seqüestrador, mas, francamente, não consigo imaginar uma única diferença que um ou outro fosse fazer em minha vida concreta.

No entanto, consigo imaginar e enxergar perfeitamente que um determinado clima de opinião, ainda que infinitamente menos tangível que um candidato, é mais influente e importante para a minha vida prática. Nele se dá a vida política realmente importante, e uma ligação emocional muito forte com um candidato qualquer é até um impedimento para a participação nessa vida.

Se Barack Obama perder as eleições, teremos o maior anticlímax da história humana. Se vencer, a maior festa. Daqui, da minha búdica indiferença, apenas repetirei com o Puck de Sonho de uma noite de verão: “Lord, what fools these mortals be!”

De como a política corrompe a religião, e mais

No domingo, O Globo me trouxe a notícia não apenas da existência de um movimento católico chamado Apostolado Opus Christi como também de seu apoio a Eduardo Paes. Eduardo Paes? O candidato de Sergio Cabral e Jandira Feghali? Desse espanto nasceu uma intensa busca no Google que durou diversos minutos e me levou ao blog de João Carlos Rocha, líder, chefe e guru do Opus Christi. Em seu convite para o evento que marcaria o apoio oficial à candidatura de Paes veio a seguinte pérola:

O Momento é de grande aflição para a Sociedade Católica, uma vez que políticos CONTRÁRIOS aos princípios de DEUS e de NOSSA SENHORA estão confundindo a população de BEM, ORDEIRA e HONESTA.

Primeiro, não custa observar a mesma velha lenga-lenga: olha só, estamos à beira do abismo, vamos virar Sodoma e Gomorra, por isso vote em mim. Os políticos adoram guerras para aumentar seu poder: guerras materiais ou “espirituais”.

Mas bem. O que chama mesmo a atenção é que agora o candidato de Sergio Cabral e Jandira Feghali é que vá proteger a “Sociedade Católica” dos “princípios de DEUS e de NOSSA SENHORA” (essas letras maiúsculas realmente fazem lembrar o clássico personagem moralista das novelas nordestinas da Globo, brandindo contra o mundo com sua bengala).

Ok, o apoio de Jandira Feghali, a abortista totalitária que mandou invadir a Arquidiocese do Rio, só veio na última hora. Mas o governador Sergio Cabral sempre foi defensor inequívoco do aborto – com preferência para favelados. Também participa oficialmente da Parada Gay. Se o Apostolado Opus Christi acha que a sociedade está correndo tanto perigo assim por causa dos “políticos CONTRÁRIOS aos princípios de DEUS”, provavelmente acha que o risco de não encontrar nenhuma boquinha caso Paes não seja eleito é infinitamente mais abominável.

Logo abaixo, João Carlos Rocha também nos comunica sua felicidade com outra coisa:

Fiquei feliz pelo nosso Presidente Nacional, Deputado Rodrigo Maia ter autorizado a criação do Orgão dos Democratas Católicos.

Então você, católico preocupado e aguerrido, brandindo o cajado dos profetas, agradece publicamente a seu presidente, aquele sujeito que pediu em caráter de urgência que o congresso aprovasse a criminalização da “homofobia” – isto é, dizer alguma coisa que desagrade a um homossexual politizado – , lei que pode vir a proibir você mesmo de vir a angariar votos denunciando a sodomia e a gomorria generalizadas? Isso já nem é mais oportunismo, é pura estupidez. Ou então, sei lá, talvez João Carlos Rocha ache que os princípios católicos consistem na mistura de homossexualismo com censura à liberdade de expressão.

Ah, claro, você pode dizer que eu não falei das opiniões de Eduardo Paes. Mas quais são elas mesmo? Diga-se em defesa do ex-seqüestrador que ao menos ele nunca quis posar de algo que não era.

Infelizmente, como católico, sou obrigado a admitir que basta saber que existe um movimento católico apoiando qualquer político para concluir que nele é que não se deve votar mesmo. Tirando o importante e urgente lobby anti-aborto, toda vez que esses movimentos ou a CNBB resolvem se meter em política…

Os católicos que se ressentem da separação entre Igreja e Estado podem mirar-se neste exemplo. Costumo dizer que eu sou a favor da união entre Igreja e Estado desde que Abraão seja o primeiro ministro, Moisés o presidente, Salomão presidente do STF, David o ministro das forças armadas e, é claro, São Francisco de Assis o ministro do meio-ambiente. Enquanto eu tiver que me contentar com o pessoal do Apostolado Opus Christi, prefiro diminuir o número de oportunidades de depredamento da religião. E você já imaginou a CNBB com poder de polícia? Eu, filotradicionalista religioso e politicamente liberal, iria para a cadeia. Por isso não escondo que advogo essa separação em causa própria.

Em tempo: os leitores habituais já sabem o que eu acho. Acho que o mundo não vai acabar por causa da Parada Gay e acho que negar o direito de propriedade a homossexuais é um crime em tudo equivalente ao simples roubo. Também sou a favor da liberdade de expressão e por isso sou contra o projeto totalitário da criminalização da “homofobia”. Os gays fazem sua parada, quem quiser fala mal, e ninguém vai para a cadeia.

Agora, não é um consolo, mas não é só no terreno de política x religião que vemos o oportunismo esmagar qualquer cheiro de princípio. Na semana passada – quase meus olhos caíram das órbitas quando li – vi que Vladimir Palmeira, um dos presos políticos trocados pelo embaixador seqüestrado por Gabeira, dava seu apoio a Eduardo Paes. Mesmo que seja uma questão de partido, caramba. Ou talvez eu é que seja ingênuo: na cabeça dessas pessoas o partido ainda vem com P maiúsculo, como se tivesse sido grafado por um João Carlos Rocha, além de ser “o” Partido.

Também não julguei que fosse viver para ver a Marta Suplicy – a Marta Suplicy! – atacar seu adversário na campanha para a prefeitura de SP por supostamente (bem, é o que todos dizem naquela cidade) ser gay. Se o mundo mantiver sua coerência atual e me preservar de futuras surpresas, logo o Apostolado Opus Christi também vai apoiá-la, essa grande defensora da moral e dos bons costumes.