Fuja da Fnac

Essa semana eu li em algum lugar que as famosas mídias sociais eram mais eficazes do que o Procon. Assim, fico motivado a divulgar um péssimo negócio que fiz essa semana: comprei pelo site da Fnac um mero roteador wireless, cuja entrega era prometida para “normalmente” um dia útil, e vários dias úteis e até um “inútil” depois, nada, nadinha. Liguei duas vezes, sequer ouvi um pedido de desculpas. O responsável pelo Twitter da Fnac não me responde. Quis cancelar o pedido, e não posso: tenho de esperar chegar para recusá-lo. Mas quando vai chegar? E vai chegar mesmo? E se deixarem na caixa de correio? Pelo que entendi, a Fnac quer me cobrar agora, mas entregar o produto na eternidade, isso é, simplesmente me cobrar.

Em suma: eu já fiz compras no eBay, no Mercado Livre, nas Americanas, no Submarino, na Livraria Cultura, em diversas lojas online, e nunca tive problemas. Com a Fnac, vejo uma loja que trata o consumidor na base da ignomínia e da canalhice. Em nome da sua própria felicidade e bem-estar, fuja da Fnac. Se algo parecer um bom negócio, não é: você vai dar o seu dinheiro e ficar sem nada.

Minha peça vai nascer em Belém

Amanhã, a primeira leitura pública de Amadores, minha primeira peça. Será amanhã, em Belém. Ainda que não seja Belém da Judéia, gosto de pensar que há aí uma analogia auspiciosa.

Você pode ler mais a respeito no blog do Teatro do Ofício, esse Globe Theatre da Amazônia,

Quando: Dia 1º de março, terça-feira, às 19h30
Onde: Saraiva MegaStore Boulevard Shopping – Espaço Benedito Nunes
Av. Visconde de Souza Franco, 776 – Loja 233 / 2º piso
Reduto, Belém – PA / 91 3241-3950
Quanto: ENTRADA FRANCA

Lançamento: Teatro da inveja, de René Girard

Nesta sexta, na É Realizações, será lançado o livro Shakespeare: Teatro da inveja, de René Girard, com prefácio de João Cezar de Castro Rocha, orelha de Lawrence Flores Pereira (o mesmo que traduziu a Antígona que vivo citando, e que considero nosso maior poeta vivo) e tradução minha.

Lembro do dia em que a É Realizações me convidou para traduzir esse livro. Por acaso, ou por obra da providência, eu me preparava para estudá-lo a fundo.

Lembro do dia na UniverCidade em que, após a palestra de René Girard, tive a ajuda de João Cezar (sem sequer saber que era ele quem figurava na capa de Um longo argumento do princípio ao fim) para marcar uma entrevista com o o próprio Girard.

Senhores, eu não sei como foram traduzidos e editados os demais livros de René Girard, mas sei que os envolvidos na publicação desse tinham um interesse pessoal fortíssimo seja por Girard, seja por Shakespeare, seja por ambos. Se você nunca leu nada, não há introdução melhor; todas as principais idéias girardianas desenvolvidas até a época de sua publicação estão ali presentes. O que fica faltando é o que veio depois: uma revisão do papel do sacrifício no Cristianismo, que levou Girard a uma defesa ainda mais radical da nossa religião, e as idéias sobre o apocalipse como a época em que se percebe o mecanismo da vitimação do bode expiatório, sem que se tenha abandonado a rivalidade que cria a necessidade desse mecanismo.

Estivesse eu em São Paulo, não perderia por nada a palestra de João Cezar.

O cânone acidental

Quarta-feira, 17 de março, na É Realizações, será lançado O cânone acidental, de Marco Catalão. Livro excelente. E o prefácio de Érico Nogueira não fica atrás. Aproveitai, ó, paulistas, e comparecei.

Escrevi sobre um dos poemas para a última Dicta, como também, vejam só, fiz a orelha do livro. Vocês podem lê-la abaixo.

***

O cânone acidental é o elo perdido entre a poesia consagrada, a vida cotidiana e o humor. Por que perdido? Porque seria natural esperar que um certo espírito paródico e galhofeiro nos freqüentasse mais. Não aquele espírito meramente irreverente que, bravamente apoiado pela academia e pela imprensa, ousasse afetar nojinho pelos tabus da mítica sociedade conservadora, mas um espírito que viesse nos ajudar a purgar, ou purificar, os sentimentos que nos dificultam estar aqui-e-agora (com o perdão do heideggerianismo), isto é, ser brasileiros, falantes de português, escolarizados, com essa poesia que mais nos pesa do que nos ajuda. Aí entra o humor.

Um momento. O professor empertigado em sua solenidade estética e estrambótica certamente já se horroriza com a sugestão de que a poesia, ainda mais humorística, pode ter um efeito terapêutico (heideggerianos, excavem metafisicamente essa última palavra para me entender). “A poesia não serve para nada”. Uns dizem isso para fazer troça dela, e outros para se orgulhar, como se o serviço fosse uma coisa indigna. Pois toda poesia serve para alguma coisa. Se o senhor não tivesse alma, talvez ela não servisse; mas, como tem, ela serve. Portanto, caro professor, continuemos.

Marco Catalão combina a linguagem e os temas contemporâneos com os ritmos dos poemas consagrados. A geração que era obrigada a decorar Camões na escola — e diversas pessoas acima de uma certa idade podem despejar sonetos e mais sonetos como um iPod sem stop — pode recuperar, por exemplo, os “Sete anos de pastor” depois de rir da paródia que lhe é dedicada. Claro que para as gerações mais novas é preciso uma nota de rodapé para explicar quem é Jacó etc. Os (que se julgam) românticos inveterados, aqueles amantes de MPB para quem o “Soneto de fidelidade” é “aquela parada linda que tem no fim de ‘Eu sei que vou te amar’ do Tom Jobim” podem, após conhecer — para usar uma palavra da moda — a releitura que lhe faz Catalão, talvez até descubram as benesses de se abrir um livro. Dentro de uma biblioteca. E aqueles que foram oprimidos na escola pelas promessas de uma vida de classe média que Dirceu já prometia à Marília em priscas eras verão que, pós-modernamente, contemporaneamente, no século XXI e no alvorecer de uma nova era da comunicação um neo-Dirceu ressentido lhe garante que o sonho dourado da classe média não se tornará realidade para ela: não será famosa.

O leitor há de se reconhecer nisto tudo. Nem que seja no seu desejo inconfessado de ser famoso também (“Quem? Eu? Eu não!”). Ou na fingida indiferença com que, já pai de família, olha as adolescentes saindo da escola… Depois dessa, só falta ressaltar novamente o caráter terapêutico da poesia e deste livro em particular. Leia-o. Rápido. Reconheça-se nas situações descritas e, com uma boa gargalhada, expulse os maus sentimentos de você. Depois, plenamente acalmado, retorne àquela poesia em que esta se baseia, para redescobri-la, límpida, sem a poeira de um cânone aparentemente alheio e distante.

Mentira romântica e verdade romanesca

Dia 11, em SP, na É, palestra com James Alison (presidente da Fundação Imitatio, voltada para a obra de René Girard) para lançar Mentira romântica e verdade romanesca. É pena que eu não possa ir do Rio a SP para assistir.

Abaixo, a orelha que escrevi para a tradução brasileira deste primeiro livro de Girard.

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Aquilo que habitualmente é catalogado como “crítica literária” pode ser dividido em dois grandes grupos: de um lado, as tentativas de teorias efetivamente científicas da literatura, que discutem e classificam as obras segundo sua natureza; de outro, textos talvez mais impressionistas, em que muitas vezes as obras são pretextos para se falar de assuntos relacionados. O primeiro grupo costuma ficar restrito à academia; o segundo circula entre o grande público, e pode ter um grande valor para a formação, não apenas intelectual, mas também do caráter.

A obra de René Girard estabelece uma curiosa interseção. É científica na medida em que oferece um critério objetivo para a divisão das obras literárias em românticas ou romanescas. O modelo do desejo mimético — neste primeiro livro mais frequentemente chamado desejo triangular — também pode ser aplicado às relações de praticamente quaisquer personagens, à relação entre autor e leitor, entre autor e narrador, entre autor e autores, entre o autor e o desenvolvimento de sua obra etc. Mas a obra de Girard, fazendo teoria da literatura, mostra que a literatura é uma tentativa de teorizar o desejo. Se a ciência explica a literatura, a literatura explica a vida. Aquelas impressões e intuições esparsas que norteavam a formação do caráter como faróis numa noite escura são como que unificadas numa única grande luz.

Exagero? Apenas se considerarmos que a modernidade, como costuma dizer o próprio Girard, costuma prometer a abolição de todas as certezas, e até simplesmente declará-la, sem jamais questionar a certeza inquestionável sobre a qual ela mesma se funda: a sacralidade do desejo. Basta que um querer seja apresentado como sincero e espontâneo para que mereça tratamento deferencial, como se o desejo verdadeiro fosse um deus que criasse a si mesmo e não precisasse dar justificativas. As identidades têm uma forte relação com o desejo: os sofisticados se diferenciam dos toscos pelos objetos que desejam, assim como os intelectuais dos não-intelectuais etc. É por isso que o pequeno grupo dos adoradores de um autor, cineasta ou músico “secreto” não gosta que seu segredo seja descoberto pelo grande público: subitamente, o prestígio da exclusividade e da diferenciação se desfaz como o ouro que, em certas fábulas, vira pó.

Girard explicita e sistematiza uma lição que a propaganda já aprendeu: muitas vezes não desejamos um objeto por uma qualidade que lhe seja intrínseca, mas para nos tornarmos iguais a um modelo. No entanto, se esse modelo for distante, como por exemplo Cristo para um cristão (imitador de Cristo), Amadis de Gaula para D. Quixote, Sófocles para um autor de teatro contemporâneo, a relação de mímese é boa e produtiva. A imitação do modelo distante não é exclusiva; se eu imito Cristo ou Sófocles, você pode imitá-lo do mesmo jeito, sem que eu tenha prejuízo. Porém, se seu modelo for seu amigo, seu vizinho, seu colega, então a relação tem grandes chances de tornar-se uma rivalidade, uma vez que o objeto que confere prestígio ao modelo e lhe dá sua identidade não pode ser dividido. Não posso dividir com meu amigo sua namorada, sua casa ou seu emprego. Portanto, ao questionar o desejo e a suposta inocência do “eu desejante”, Girard questiona a própria modernidade e, ao invés de criticar seus ícones, como Freud e Marx, desde um ponto de vista meramente conservador, mostra que, apesar de seus amplos poderes de observação, falta-lhes uma abordagem suficientemente radical.

A partir dos fundamentos lançados em Mentira romântica e verdade romanesca e A violência e o sagrado (Paz e Terra), Girard estabeleceu novas interpretações do teatro grego, de Shakespeare e de diversos outros autores que simplesmente não podem ser ignoradas. O que o leitor tem em mãos é uma chave interpretativa da literatura, de sua relação com a literatura, de sua relação consigo mesmo, e de si próprio. Havendo vontade de conhecer-se a si mesmo, René Girard pode ser para o leitor aquilo que Virgílio foi para Dante Alighieri.

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