Sete anos de O Indivíduo

Às 8h da manhã do dia 19 de novembro de 1997 Alvaro Velloso de Carvalho e Sergio de Biasi começaram a distribuir o jornalzinho “O Indivíduo” na PUC do Rio. Eu cheguei umas 11h e me juntei a eles. Uma hora depois, uma turba enfurecida de estudantes nos cercava no pilotis da universidade. A segurança apareceu logo, e fomos levados para a prefeitura do campus. Aposto que todos, ou muitos dos leitores aqui, já conhecem o resto da história. Se o leitor chegou agora, porém, saiba que meu artigo A negra noite da consciência deu origem a uma polêmica nacional.

Foi um dia de infâmia e vergonha para a PUC do Rio de Janeiro. O reitor Jesús Hortal apoiou a turba enfurecida e, seguindo o imortal exemplo de Caifás, enviou poucos dias depois uma carta aos alunos da faculdade dizendo que nosso jornal “beirava os limites do delitivo”. Recusou-se a participar de uma edição do programa “N de notícia” comigo e com Olavo de Carvalho. Dias depois, amarelou e disse ao jornal O Globo que aquilo que fizemos “não foi nada de grave”. Claro que não, padre. Grave foi o que o Sr. fez. Quanto aos alunos, bem, não era de se esperar coisa melhor: o episódio serviu apenas para provar que a classe média carioca está mais do que pronta para ser massa de manobra. Em suma, a educação da PUC funciona.

Por causa da polêmica, Sergio de Biasi rapidamente comprou o domínio oindividuo.com e fez um site com os artigos. Diante dos custos de imprimir um jornal, e da comparativa facilidade de manter um site, acabamos ficando só na internet. A internet, por sua vez, cresceu; e acredito que o nosso site foi lido por muitas pessoas que hoje escrevem. Não acho, é claro, que o Indivíduo foi a motivação para que as pessoas passassem a escrever; mas acho que elas se sentiram mais à vontade para falar mal do esquerdismo e das modas acadêmicas depois que três garotos o fizeram, apanharam na imprensa (eu cheguei a levar também um soco na cara na PUC. Não vi quem foi) e sobreviveram bem.

Acho mesmo que o fator idade pesa: uma coisa é ver pessoas mais velhas e experientes escrevendo, e outra coisa é ver garotos de 20 anos escrevendo. Se você tem 20 anos e vê um cara de 50 escrevendo, pensa: “ele é muito bom, puxa, nunca serei assim, sou tão criança”. Mas se você vê um cara da mesma idade, pensa: “que legal, e eu acho que posso fazer ainda melhor.” E as idades próximas também trazem cumplicidade. É bom.

O Indivíduo, com o tempo, adotou uma série de causas extremamente impopulares: o tradicionalismo católico, o liberalismo clássico, a defesa de Pinochet. Basta dar uma olhada na nossa lista de matérias especiais. Também acredito que muita gente teve seu primeiro contato com estes temas ali.

Alvaro tocou o site por alguns anos, inclusive do ponto de vista técnico. Acho que ele tem verdadeira vocação para o jornalismo político e econômico, e acho ainda que ninguém no Brasil conhece tão bem quanto ele a política norte-americana. Também eu gostaria muito de ver textos seus com mais freqüência aqui.

Enfim, quero agradecer a todos os leitores. Esperemos por mais setenta anos. Quem quiser discutir o jornal ou nos apedrejar pode ir até a nossa comunidade no Orkut.

Agora achei que seria simpático dividir algumas curiosidades.

1. O texto mais lido da história do site é a Mensagem de Natal que escrevi em 2000. Somando tudo, já deve ter tido mais de 20.000 visitas, talvez mais de 30.000. Como mudamos de hospedeiro, perdemos as estatísticas velhas.

2. A negra noite da consciência é sempre muito lida. No mês de novembro, até agora, foram 2934 visitas.

3. 35 pessoas chegaram ao nosso site em outubro procurando por… Luana Piovani!

4. Nunca acreditei que a confusão tivesse sido causada pela “Negra noite”, mas pelo texto Qu’est que c’est Cambralha? do antropólogo fictício Cláudio Lévi’s Lee. Poucas coisas me divertiram mais do que ver alunos enfurecidos da PUC, membros da “Cambralha”, brandindo o jornal e perguntando: “QUEM É ESTE CLÁUDIO?”, com o objetivo evidente de descer-lhe o sarrafo. No fim, o que houve, eu acho, foi que o pessoal da Cambralha não levou a brincadeira na esportiva e resolveu apelar para a acusação boçal de racismo. Também foi divertido, confesso, saber pelo pessoal do DCE que o movimento negro na PUC tentou de todos os jeitos nos processar, e obviamente não conseguiu. Claro: acusar de racista um artigo que diz que a melhor coisa do Brasil é que aqui não tem racismo…

PS – Não deixem de ler esta maravilhosa nota à “Negra noite”.

Minha terra tem esquerdas

Minha terra tem esquerdas

que reclamam sem parar;

e os vermelhos esperneiam

tanto aqui como acolá.

Há tempos li uma crônica ótima no jornal português Público. Tive a inspiração de guardá-la no meu HD, e o tempo mostrou que a origem da inspiração era boa: o texto foi retirado do ar. Depois descobri que o jornal só mantém os arquivos durante sete dias. Não façamos referências a velas de defunto. Enjoy.

Saudades de Esquerda

Por HELENA MATOS

Originalmente em

http://jornal.publico.pt/2003/09/20/EspacoPublico/O02.html

A frase começou a ser dita cada vez com mais frequência: “Dantes era bem melhor!” Depois, como se tal fosse a coisa mais natural do mundo, uma espécie de consequência inevitável do confronto com o presente, começaram a deixar cair: “Isto é pior que o fascismo!” Em seguida entraram no processo de reabilitação da ditadura. Mas este “remake” do “Ó tempo volta para trás, dá-me tudo o que perdi” não é entoado por vozes como Kaúlza de Arriaga ou Rosa Casaco. Nada disso! É a esquerda, gente que sempre fez profissão de fé de antifascismo, alguns deles perseguidos pela PIDE, quem agora produz este nostálgico discurso. O próprio Manuel Alegre veio recentemente legitimar esta recuperação da ditadura declarando ao PÚBLICO: “Vivemos num clima mais perverso do que aquele que vivemos na ditadura. É muito desagradável dizer isto, mas é mais perverso: porque, na ditadura, eu sabia quem era o inimigo, sabia os riscos que corria, e, quando era preso, sabia por que é que era. Era uma situação clara. Neste momento, é uma situação perversa.”

Estas declarações de Manuel Alegre exprimem, por um lado, a extraordinária desorientação a que o PS chegou com o caso Pedroso e, por outro, são reveladoras da incapacidade de uma esquerda que se formou na oposição ao salazarismo de aceitar a realidade da democracia por que tanto lutou e as inevitáveis mudanças que o tempo acarreta.

Este tipo de discurso começou a fazer-se ouvir, primeiro, nos sectores derrotados no 25 de Novembro de 1975. Alguns pretendiam que a situação saída desse golpe reinstituíra no país algo semelhante ao que se vivia antes do 25 de Abril de 1974. Mas ficavam-se geralmente por umas frases de lirismo “kitsch” sobre essa data – o tempo em que os sonhos se desfizeram; o fim dos dias em que tudo era possível… De qualquer forma não diziam ainda que o fascismo tinha sido melhor. Não só se mantinha viva como até em muitos casos se exacerbava o que fora a resistência à ditadura e, por outro lado, a estratégia de comunicação da esquerda afecta ao PCP passava sobretudo por agitar o espantalho do retorno do fascismo a qualquer alteração legislativa. O PS, durante os governos de Cavaco Silva, também ocasionalmente invocou o regresso do fascismo mas apostou mais no denegrir do presente, o “cavaquistão”.

Anos depois, um dos sinais óbvios de que o PS tinha perdido a dinâmica do poder e consequentemente a vontade de fazer o presente aconteceu durante a última campanha autárquica, quando João Soares escolheu, num total desacerto com o tempo e o lugar, o “slogan” “Fascismo nunca mais”! para ganhar a Câmara de Lisboa. E agora que não só está na oposição como a sofrer o imenso desgaste do caso Casa Pia, o PS irmanou-se aos saudosos do PREC e outros vencidos da vida e, todos a uma só voz, choram de saudades dos bons velhos tempos. Exactamente esses em que Portugal foi uma ditadura. Ter-se-ão tornado fascistas? De modo algum, mas têm saudades desse tempo em que dividiam o mundo em bons e maus. Sendo que eles eram sempre bons fizessem o que fizessem. Durante a ditadura, a censura e a própria repressão policial permitiram a muitos iludirem a sua mediocridade imaginando sucessos e reconhecimento público que efectivamente não mereciam. Por isso, quando chegou a democracia e já não tinham o censor a dar-lhes importância nem a polícia a impedir-lhes as actividades e ficaram sós perante o público, o povo e, sobretudo, perante si mesmos, começaram por amaldiçoar o mercado, a competitividade e a concorrência. Em seguida, fizeram discursos sobre esse tempo em que todos se conheciam. Em que havia valores e ideais. Em que se faziam espectáculos de qualidade…

Depois, face a um presente cuja mudança não acompanham, face à chegada de novas gerações de políticos, autores, jornalistas…, começaram a sentir saudades daquele lápis azul que lhes dava tanta importância. Daquele censor seu espectador, leitor, ouvinte… enfim seguidor atento. Daí a balbuciarem que queriam a sua ditadura de volta foi um passo.

É certo que as democracias são injustas. É certo que podem estar detidos inocentes. É certo que as novelas da TVI têm mais audiência que as séries da RTP2. Mas não há qualquer comparação entre democracia e ditadura. Estas últimas são naturalmente perversas. Porque conferem um ignominioso estatuto de excepcionalidade a quem as governa mas também a quem se lhes opõe. Todos nós ouvimos falar da farsa que foi o julgamento dos membros do regime no caso Ballet Rose. Mas a farsa não acabava aí. A farsa é a ilusão de normalidade numa ditadura. Para o ditador, para aqueles que o rodeiam e para os que se lhe opõem. Por exemplo, caso um qualquer dirigente da oposição, durante a ditadura, tivesse sido acusado de abuso sexual de menores nunca ninguém acreditaria porque se tratava duma invenção da PIDE. Caso durante a ditadura um qualquer oposicionista fosse acusado de ter desviado dinheiro, isso seria sempre uma calúnia. Caso durante a ditadura um militante comunista ou de extrema-esquerda fosse acusado de ter assassinado alguém que consideravam dissidente, traidor ou informador da polícia, restava sempre a possibilidade de ter sido a PIDE… Por isso têm saudades desse tempo em que, como nas histórias infantis, os maus eram sempre maus e os bons sempre bons. Têm saudades desse tempo em que eles que agora assim falam, artistas, profissionais liberais e jornalistas de oposição, se sentiam investidos duma superioridade quase aristocrática. Ridicularizavam os censores e desprezavam os polícias. E estes últimos sabiam bem que nos calabouços não se tratava da mesma forma um trabalhador rural ou um frequentador da Brasileira.

É desse mundo em que tudo era perversamente familiar, em que a cunha da União Nacional coexistia, do outro lado, com o apoio cego e incondicional a quem se declarasse correlegionário, é desse mundo em que cada um sabia que o seu estatuto não seria beliscado, antes reforçado pela outra parte, de que a esquerda hoje tem saudades. É desse mundo em que a vida de cada um era condicionada e julgada pelo que se dizia ser e não pelo que de facto se era e fazia que a esquerda quer de volta. Tudo isto é muito triste e não creio que a culpa seja do fado.

By this Sun of York

Após muitos e-mails perguntando “quando O Indivíduo será atualizado de novo?”, posso finalmente responder que ele foi atualizado por mim mesmo no dia 23 de janeiro.

Muitas pessoas podem se perguntar porque paramos durante tantos meses. Simples: há outras coisas na vida, as quais podem tomar muito tempo. Além destas, a simples chatice de atualizar um site todo em html certamente contribuiu para o período de férias. Por isso agora vamos funcionar no formato de blog, aproveitando as facilidades do Movable Type.

Uma outra novidade é que O Indivíduo está retornando ao seu projeto original: ser um veículo para três sujeitos – Alvaro Velloso de Carvalho, Sergio de Biasi e eu – dizerem o que pensam, com o único compromisso de não escrever em nome da humanidade ou de um universal abstrato.

(Ok, originalmente havia mais um sujeito, mas ele se desligou do projeto assim que começou a confusão na PUC.)

Quem quiser ver os artigos do site antigo pode clicar no primeiro link da nossa lista.

Aliás, como vocês podem ver, o site novo ainda está em construção. Mas provavelmente estará todo direitinho em breve.

Preciso ainda dizer que nada disto teria sido possível sem a ajuda de Marcelo De Polli, vulgo Wundermeister von Nuremberg, que resolveu todos os problemas tecnológicos – e ainda há de resolver alguns, espero.

Editorial do Número Zero

É bom avisar logo que, num jornal que se chama O Indivíduo, este editorial do número zero vai ser a única coisa escrita de forma dita “impessoal”. Ou melhor: vai ser assinado por quatro pessoas, nós quatro que formamos o conselho editorial deste jornal. Porque neste jornal deve imperar o estritamente pessoal, pensado e escrito por um indivíduo sozinho.

Isto está fundamentado na nossa crença no indivíduo. Num tempo em que se fala muito em coletividades, nos “excluídos”, nos “sem-alguma coisa”(e todos somos sem alguma coisa…), no velho “proletariado”, nas “forças populares”, na “juventude”, na “geração cara-pintada”, nas “tribos” e tudo mais, nós queremos nos dirigir ao ser humano sozinho, de um para um. Porque é assim que as coisas são. Individuais.

Todas estas coletividades são apenas figuras que utilizamos para pensar com uma certa ordem e que não se traduzem completamente na figura de uma pessoa, que, se pode ter características atribuídas à coletividade, pode também – como acontece na maioria dos casos – transcendê-las.

Além do quê, não é, por exemplo, “a juventude” que pensa, mas cada jovem em separado. Se há semelhanças entre o pensamento de vários jovens, isto não é razão para crer que há uma elevação do coletivo sobre o individual, como se “a juventude” fosse um ente concreto e não apenas uma qualidade humana – aliás, a mais efêmera.

Por isso vemos que não faz sentido fazer um jornal para um “grupo”. Nós quatro queremos, antes de tudo, atingir os indivíduos pensantes, sejam negros, brancos, pardos, façam Física ou Letras, o que quer que seja.

A segunda motivação por trás deste jornal, muitíssimo ligada à primeira, está no nosso estranhamento a muita coisa deste nosso mundo muderno e da Pontifícia Universidade Católica. “Madness in great ones must not unwatched go”(“A loucura nos grandes não deve ficar sem vigilância”), diz o rei Claudius em Hamlet. Assim sendo, escrevemos estes artigos só para avisar aos “grandes” – os professores, o corpo administrativo da PUC, gente do mundo cultural e formadores de opinião em geral – que eles estão sendo vigiados, que não podem achar que ficam impunes.

Na verdade, não temos a menor pretensão de mudar nada. Só queremos mesmo que a PUC, professores, padres e alunos, saibam da nossa existência. Os que gostarem, ótimo; os que quiserem colaborar, melhor ainda. Os que não gostarem provavelmente só aumentarão nossa certeza de estar no caminho certo.

Terminando, queremos salientar que esse não é um jornal de mera opinião. Opinião é uma coisa que as pessoas têm ao fim do almoço, um pensamento não elaborado. Tudo o que estiver aqui publicado pretende ter o status de argumento e deverá ser considerado como tal. Não publicaremos as impressões de alguém sobre algo e nem conjugaremos o verbo achar. Quem acha não nos interessa; só prestamos atenção a quem quer discutir alguma coisa em bases razoáveis. Agora, tampouco nos consideramos os “donos da verdade”. É só que o nível do debate está tão baixo que um pouco de veemência e real capacidade argumentativa(aliada à qualidade dos argumentos) assusta os espíritos mais frágeis, que crêem ser a essência do debate, e não a sua caricatura.

Pode ser ainda que tudo que se escreva aqui seja meramente bobagem, que nós não passemos de uns malucos arrogantes. Mas, ainda que o sejamos, queremos deixar clara a certeza que fundamenta tudo que dissermos, inclusive a possibilidade do errar. Nas palavras do espanhol Antonio Machado:

La verdad es lo que es

y sigue siendo verdad

aunque se piense al revés.

Álvaro de Carvalho

Sérgio Coutinho de Biasi

Pedro Sette Câmara

Zé Roberto

Reflexões após os escombros

(Este era o título, hoje renegado, deste poema que deixo aqui antes como curiosidade histórica – PSC, 18 de novembro de 2006)

A sombra de haver

sentido de ser

supera o pesar.

O sonho do outro,

se é que há outro,

está em se dar.

Além da medida

comum dessa vida

que é de lascar.

O resto é saudade:

tristeza que invade

a falta de amar.

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