Sobre o celibato clerical

Damian Thompson resolveu discutir o celibato dos padres. Só que, antes de eu entrar na discussão, preciso explicar uma coisa: o celibato dos padres não é um dos famosos “dogmas da Igreja Católica”. É apenas uma questão disciplinar. O papa pode acabar com o celibato obrigatório dos padres com uma mera canetada, sem qualquer abalo doutrinal. O celibato na Igreja Católica oficializou-se há cerca de mil anos e pode acabar, teoricamente, a qualquer momento.

Se um padre anglicano casado é ordenado padre católico, ele pode ser um padre católico casado. Nas igrejas ortodoxas orientais em que o “padre pode casar” e cujos sacramentos são considerados válidos pela Igreja Católica, não é exatamente o padre que pode casar. É o homem casado que pode ser ordenado padre. E esse padre casado não chegará a bispo. Mas vejam que o apóstolo Pedro, o primeiro papa, era casado. E, como até a Wikipedia sabe, na epístola a Timóteo, o apóstolo Paulo diz que o bispo deve ser “irrepreensível, marido de uma só mulher”. Então o negócio é meio complexo.

No indispensável O Sal da Terra, Peter Seewald pergunta ao então cardeal Ratzinger por que a Igreja Católica não libera o casamento para os padres. Ele, que certamente já tinha respondido mil vezes esse pergunta, e que já conhecia muito bem os problemas da Igreja, respondeu na lata: “Porque senão um mês depois eles pediriam também o divórcio.”

Essa resposta foge totalmente aos termos habituais do debate. É uma resposta eminentemente prática. Francamente, acho que conheço mais de um homem que só não entrou no seminário por rejeitar o celibato. Mas esses são os padres potenciais. A opinião de um zeloso cardeal que veio a ser papa sobre os padres já ordenados estava mais voltada para os problemas que seriam criados, não para os que talvez fossem resolvidos.

Por outro lado, tudo neste mundo é imperfeito. A solução de um problema sempre cria outros problemas que nem julgávamos existir. Se o próximo papa der o matrimônio aos sacerdotes, terá de estar preparado para os pedidos de divórcio – ou de anulação – que vão inundar o Vaticano. (Porque toda anulação de casamento é aprovada pelo Vaticano, veja bem. Parece até que a Igreja Católica inventou a burocracia.) E há ainda a questão da fidelidade, presente nos sacramentos do matrimônio e da ordem. Se a Igreja viu que o sacerdote não foi fiel a seu voto de castidade, por que ela deveria supor que ele seria fiel à sua esposa?

No debate, porém, observo que o argumento de que o celibato é causa da pedofilia é totalmente furado. Parafraseando uma expressão inglesa, há um elefante que ninguém enxerga, que é o fato de que os casos de pedofilia são eminentemente homossexuais. Não consigo entender como um homem heterossexual privado da companhia de uma mulher vá passar a desejar meninos púberes ou impúberes. Muitos homens vivem em celibato forçado (isso é, não são atraentes para praticamente mulher nenhuma) e nem por isso passam a desejar garotinhos.

Pessoalmente sou favorável ao fim do celibato obrigatório, mesmo que seja seguido o costume oriental de apenas celibatários serem ordenados bispos etc. Isso porque eu acho que, no dia-a-dia, nas paróquias, está faltando uma certa testosterona. Se os padres tivessem esposas, talvez a religião parecesse um pouco menos uma coisa de tia. Mas não sou cardeal nem nada, eu não tenho de ler relatórios sobre a situação da Igreja no mundo inteiro, e estou levando em conta apenas aquilo que vejo no Brasil. Lembro que na paróquia que frequentei em Paris, por exemplo, não vi problema nenhum.

P. S.: Sobre a questão “testosterona x Igreja”, recomendo a leitura de Goodbye, Good Men, de Michael S. Rose.

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