Sucessão papal: duas diferenças entre 2005 e 2013

A primeira diferença que noto entre a situação de agora e a de 2005 é que em 2005 havia um cardeal “estrela”, um cardeal high profile: Ratzinger. Assim, pode ter sido uma surpresa que ele tenha sido eleito, mas por outro lado não foi. Não havia nenhum outro cardeal que combinasse uma carreira impecável, uma obra influente e a experiência na Cúria. Ratzinger provavelmente era o único cardeal cujo nome até aqueles desinteressados por religião conheceriam. Só para dar uma ideia, bem antes do conclave de 2005 já existia o site do Ratzinger Fan Club. O status de celebridade de Ratzinger era perfeitamente devido. O homem não apenas leu tudo (inclusive o Antigo e o Novo Testamentos nos originais hebraico e grego) como nunca redigiu uma linha que parecesse burocrática, automática, irrefletida.

Essas considerações podem dar a impressão de que a eleição de Ratzinger era totalmente previsível – mas não era. Ninguém previu. Os “vaticanistas” disseram que a homilia com que Ratzinger abriu o conclave, e que ficou famosa pela expressão “ditadura do relativismo”, era um sinal de que o homem não queria ser papa e estava contra o mundo. Francamente, até eu tendi a interpretar as coisas desse modo. Mas esse é o maior risco: mesmo que achemos que não, vamos interpretando as coisas com os olhos do “mundo”. Se o homem diz algo que parece contrariar a plateia imaginária que temos na cabeça, a “opinião pública”, está se suicidando. Se joga algo para a plateia, parece alguém digno de louvor. Não é que pensar assim seja exatamente errado. O mais devido é dizer que essas categorias simplesmente não se aplicam a um conclave, nem que seja porque a plateia em questão é composta de pouco menos de 120 pessoas que provavelmente têm fortes individualidades ao mesmo tempo em que julgam que a eleição é guiada pelo Espírito Santo. Juro para vocês que a opinião do New York Times não é levada em conta na Capela Sistina.

Por isso, mesmo que hoje não exista ninguém com a projeção de Ratzinger, e mesmo que alguns cardeais tenham mais destaque do que outros – Arinze, Ouellet, Ravasi, Scola, Kasper – , esse destaque não garante nada.

A segunda diferença que noto vem de um detalhe que não vi muito comentado. João Paulo II realizou 9 consistórios em 27 anos de pontificado. Bento XVI realizou 7 consistórios em 8 anos. Um consistório nada mais é do que uma reunião de cardeais em Roma, na qual os cardeais também costumam ser “criados”, ou nomeados. Bento XVI fez isso por achar que os cardeais deveriam conversar mais entre si. E provavelmente anunciou a renúncia na abertura do último consistório que convocou para permitir que os cardeais já passassem bastante tempo em Roma conversando.

Isso significa que, ao contrário dos conclaves anteriores, em que os cardeais muitas vezes só se conheciam de vista, na melhor das hipóteses, agora os cardeais vão se conhecer bem melhor. E mais: estando em Roma, vão começar a saber mais dos problemas da diocese e da Igreja como um todo. Porque a Igreja é totalmente separada do ponto de vista administrativo. O Papa pode ter autoridade até para nomear os diáconos da última paróquia do quarto mundo (embora ele se restrinja a concordar com a nomeação de bispos), mas administrativamente essa paróquia está sozinha. Ela é que se sustenta. Ela é que lida com a justiça, com as autoridades civis locais. Por isso, a chance de um cardeal, ainda mais de um cardeal que também é bispo diocesano – e, se o cardeal não está aposentado, nem trabalha na Cúria, nem em alguma missão louca dada pelo papa, ele provavelmente é arcebispo de algum lugar e está afundado até a cabeça em questões administrativas – não saber praticamente nada dos problemas da Igreja universal é bem grande. E, diria eu, talvez não seja pequena a chance de ele ficar sabendo e achar que esses problemas são, digamos, grandes demais para que ele os queira para si.

Vou dar um pequeno exemplo: imagine um escândalo financeiro do IOR, o Instituto para Obras Religiosas, mais conhecido como Banco do Vaticano. Esse “um escândalo”, aliás, mais parece um escândalo permanente. Ele envolve cardeais, políticos, a máfia, outros banqueiros… E você, cardeal de não sei onde, não tinha nada a ver com isso, e só sabia por ouvir falar. Você pode também não ter nem experiência na Cúria. Como papa, você passa a estar no centro do problema. Caro leitor: tente pensar que uma coisa é eu falar disso em termos abstratos, e outra é conhecer o problema em termos de cifras, pessoas… Vamos dizer que nem todos podem olhar essa situação e achar que têm estômago e fé suficiente para lidar com ela.

Existem tantas previsões hoje que provavelmente alguma delas estará certa. Se der Ouellet, dirão que ele já era papável; se der Scola, dirão que o papa elegeu seu sucessor; se der Arinze ou Turkson, dirão que a igreja quer um rosto negro (como se o maior mérito de alguém fosse a cor da pele, e você ainda fosse otário o suficiente de achar que os cardeais realmente ligam para esse critério). Eu só acho difícil que seja eleito alguém associado a algum escândalo feio. Fora isso, pode ser qualquer um. E o melhor que se pode fazer é tentar entender como a Igreja funciona e vai continuar funcionando independentemente de quem usar o anel do Pescador. O conclave é misterioso. A estrutura da Igreja é pública.

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