Por que o mercado é visto como o pior dos totalitarismos?

Num totalitarismo aberto, sabe-se quem é a burocracia que manda. Mesmo que nos antigos países comunistas reinasse efetivamente o caos, ninguém duvidava de que era o Partido que estava no poder. Você poderia ressentir-se do fato de que outra pessoa determinava sua vida, mas ao menos você sabia quem era essa pessoa. Sabia mesmo, com nome próprio, endereço etc. Era um totalitarismo concreto.

No capitalismo de mercado, existe a percepção de que você tem de agradar a um outro anônimo, transformado em estatística: o consumidor, que está por toda parte e que não é ninguém. Claro que em muitos casos você sabe perfeitamente quem são os seus clientes, mas isso é impossível em escala industrial. Uma empresa de bebidas não conhece seus consumidores, nem uma empresa de carros; ela na melhor das hipóteses pode estimar um certo perfil de uma faixa significativa desses consumidores.

Agora, porém, a possibilidade eletrônica de o consumidor ser rastreado por uma empresa sem que a recíproca seja verdadeira não está exatamente contribuindo para que o “mercado” ou o “capitalismo” não sejam vistos como totalitarismos. Se eu tivesse um iPhone 4 (e nem o 3 eu tenho mais), Steve Jobs poderia saber onde eu estou, sem que eu saiba onde ele está. O fato de um cartão de débito e de crédito também permitir que toda a sua vida comercial seja conhecida também não é algo que me deixe muito feliz. Na prática, hoje o anonimato é obrigatoriamente uma opção preferencial pelas tecnologias obsoletas. Mas bem. Já fujo do assunto.

O grande caveat desse raciocínio todo é a necessidade de recordar o mimimi tipicamente moderno de que qualquer limitação, mesmo material, à vontade própria e à afirmação de autonomia do eu é chamado de “totalitarismo”. Uma contestação é um autoritarismo, um olhar de reprovação é uma ditadura, e uma censura moral, bem, é a própria câmara de gás de Auschwitz. Por isso também é que se vê a necessidade de trabalhar de modo a agradar outra pessoa como “totalitarismo”.

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