O pensamento mágico

Olhando essa capa da Veja nas bancas, senti-me um Lévi-Strauss olhando um silvícola de desenho animado, com direito a ossinho amarrado na cabeça, lábios e orelhas perfuradas, cantando seu uga-buga para hipnotizar a tribo. Ou, se preferirem, pensei (porque sempre penso, é verdade), em Édipo rei: a peste assola Tebas. Édipo manda Creonte, o cunhado, ao oráculo de Apolo. Vem a resposta: “a peste assola Tebas porque o assassino de Laio está em Tebas.” O espírito de Laio não pode descansar enquanto o culpado não for encontrado. Temos de punir o assassino de Laio.

Não é possível — ou é perfeitamente possível, e mais do que coerente — que os responsáveis pela Veja não entendam que são eles mesmos que ficam em paz com a condenação dos acusados pelo assassinato da pobre Isabella Nardoni. Colocar esse tipo de chamada na capa só reforça o pensamento mágico do primitivismo: vamos nós descarregar nossa violência contra alguém, e, quando isso nos trouxer alívio e conciliação, vamos dizer que o espírito da vítima a quem trouxemos justiça pode descansar. Vamos dizer que a nossa sede de sangue é a sede de sangue de uma alma desencarnada.

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