Não há pedagogia além de o professor ser um modelo

Toda vez que o assunto “educação” chega até mim é difícil não reparar que um ponto crucial jamais é discutido: quase tudo de que um professor precisa para obter a anuência dos alunos é ter prestígio diante deles. Simples assim. Não há método pedagógico nem tecnologia que supere o prestígio, o respeito que o professor deve inspirar naturalmente, combinando uma aparência de autoconfiança (preferencialmente excessiva) com a devoção maravilhada por aquilo de que está falando, seja literatura ou geometria. O professor deve comunicar ao aluno: “Eu sei do que estou falando, adoro falar disso, isso é mais importante do que você, você deveria agradecer aos céus pela graça de ter aula comigo, e não terei o menor problema para reprovar você.” Uma vez que os alunos pensem assim, o professor terá prestígio o suficiente para mandá-los ler a Ilíada toda em versos ou estudar física quântica. Os aprovados vão cogitar seguir uma carreira na área daquela matéria. Os reprovados sentirão o orgulho daqueles que foram aleijados na batalha, e falarão das notas baixas como de cicatrizes adquiridas com honra.

T. S. Eliot disse (não consigo mais achar a referência, mas li isso num livro) que “as pessoas querem inventar um sistema tão perfeito que ninguém mais vai precisar ser bom.” Podemos adaptar isso para a esfera da educação. Não há pedagogia tão perfeita que dispense o professor de resolver seus próprios problemas pessoais e conquistar o respeito do aluno. Conquistar, sim. Porque vivemos num sistema de educação obrigatória, em que meu corpo tem de estar presente numa sala de aula, mas minha alma quase nunca está, e já desenvolvi a perfeita arte de estudar o mínimo necessário para obter a nota mínima e passar. Nada mais ridículo do que um professor que diz logo no primeiro dia de aula que os alunos terão de demonstrar interesse. Dá vontade de dizer: “Por quê? Isso é só uma burocracia, eu só quero uma nota, não queria saber dessa matéria e agora que você veio com essa estratégia de um coitado que ganhou um poderzinho é que eu passei a odiá-la mais ainda. Deus me livre de ficar parecido com você.”

Se o aluno não tem interesse prévio pelo assunto, a única maneira de fazer ele ao menos ter respeito é agregar prestígio àquilo que se vai ensinar, e gente coitadinha não agrega prestígio a nada. Em suma, os professores tem de ser modelos, gente admirável. Afinal, é gente que fica horas num tablado falando para platéias que muitas vezes nem queriam estar ali. Creio não enunciar nada chocante e terrível quando digo que é melhor olhar para gente bonita, confiante e apaixonada do que para gente feia, insegura e fria que fica choramingando por atenção, gagueja e, francamente, só não parece odiar estar ali ainda mais do que os alunos porque os anos já ensinaram a disfarçar melhor. Por isso, professor, a dura verdade é que você não pode ter uma aparência ridícula, não pode ser tosco, e muito menos pode dispensar a certeza absoluta de que aquilo que você tem a dizer é a coisa mais importante jamais dita por um ser humano. Não há outra pedagogia. Não há ensino escolar nos moldes atuais sem que o professor transfira seu prestígio pessoal para a matéria.

Agora, vejam por favor que não estou falando de professores que fazem brincadeirinhas e agem como apresentadores de programas de auditório. Esses podem conquistar a atenção, mas não o respeito; são tão modelos quanto o Sergio Mallandro é modelo. Podem inculcar parte do conteúdo, mas dificilmente inculcarão o amor por esse conteúdo. Pedagogia não é macacada.

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