O suplemento infanto-juvenil do Globo de ontem levantava a pergunta sobre aquilo que os adolescentes deveriam ser obrigados a ler na escola. Ontem, também, na minha última incursão provável pela literatura brasileira na UFRJ, fiquei sabendo quais livros eu seria obrigado a ler para obter um crédito, e posso dizer que, entre os quatro títulos, apenas um me apeteceria.
A questão, na verdade, já está tão estonteantemente viciada que mal é possível abordá-la; certamente não é possível abordá-la sem fazer uma série de distinções preliminares. Por isso mesmo quis começar o texto dizendo que o que está em jogo é aquilo que os adolescentes deveriam ser obrigados a ler. Desse modo, ao menos fica explícito que você já está concordando que os adolescentes devem ser obrigados a ler alguma coisa. De minha parte, tenho mais interesse em descrever do que em prescrever. Na pior das hipóteses, a prescrição pode ser ajudada por uma boa descrição. Vamos e vejamos alguns pontos.
1. Se você cair na conversa de que é preciso dar aos adolescentes algo que “fale da realidade deles”, “na linguagem deles”, você terá aniquilado o propósito da educação, que nada mais é do que fazer alguém transcender a própria realidade. Nada melhor para adolescentes da periferia carioca do que monstros mitológicos da Grécia antiga.
2. O que é próximo é banal; o que é distante tem prestígio. Adolescentes podem discutir indefinidamente se Zeus é um canalha, se Ulisses é um herói ou um
ador, mas é melhor que não discutam se a professora é idiota. O mínimo que a literatura pode fazer é abrir um mundo imaginário que pode ser compartilhado sem violência, e assim inspirar o sentimento de respeito.
3. Se o adolescente não é dócil à leitura, pouca diferença fará que ele seja obrigado a ler Machado de Assis ou Zequinha Contemporâneo.
4. O risco de uma pessoa de qualquer idade desgostar de algo só porque é obrigatório não pode ser abolido. A PUC me fez ler muito Umberto Eco quando eu realmente não queria. A maturidade me ensinou a respeitar a erudição do homem, mas ainda sinto uma náusea ao escrever as letras de seu nome.
5. A questão de adotar ou não a literatura contemporânea remonta a uma questão anterior a respeito da função e da natureza da escola. Eu, por exemplo, acho que uma função essencial da escola é dar ao aluno uma dimensão do passado, da continuidade histórica. Por isso, nada de Zequinha Contemporâneo; no máximo, menções esparsas a ele. Chegamos aqui a outro ponto: o cânon é estabelecido coletivamente, mas as preferências contemporâneas são individuais. Um aluno de língua portuguesa que vá a qualquer país de língua portuguesa encontrará idêntica reverência a Camões, Pessoa, Herculano, Machado, mas se o Professor Pedro fosse falar de poesia contemporânea, falaria de Bruno Tolentino e sequer mencionaria diversos medalhões com sangue de barata dos cadernos culturais. A questão aqui não é estar certo ou errado nas preferências literárias, e sim estar junto ou separado da comunidade. O passado é comum a todos; a atualidade é diferente para cada um.
6. Não pensem que estou sendo cínico ao fim do item 5. Sucede que eu, como muita gente, não me lembro de uma única fórmula de Química ou Física, e digo sem pestanejar que teria sido mais feliz sem os metilenos, isopropilos, fios sem massa e superfícies sem atrito; mas agradeço pela companhia dos amigos e colegas de escola, e é disso que me lembro com mais gosto…