Ora, eu digo-vos que de qualquer palavra ociosa que tiverem proferido os homens, darão conta dela no dia do juízo. Porque pelas tuas palavras serás justificado ou condenado. (Mateus, 12, 36-37)
Antes de começar, quero lembrar a analogia entre o tratamento dado por César Benjamin a Lula e a calúnia de Al Gore por Joseph Farah.
Venho mui tardiamente (porque quem escreve meus textos costuma ser o daimon, que não se manifestou, então hoje sou eu mesmo) reparar algo que falei em meu texto A caixa preta da esquerda. Aparentemente, ainda que com demora, a história do “menino do MEP” foi negada, e com isso boa parte da minha especulação ali desmorona. Registre-se, para os devidos fins.
Aliás, registre-se ainda o ombudsman da Folha de São Paulo acabou por concordar comigo (ou melhor: tivemos a mesma opinião): foi irresponsável da parte do jornal publicar algo de tamanha gravidade sem uma apuração.
O desejo, e até o dever — ético, não necessariamente legal — de ser responsável com o que se diz é, digamos assim, o fundamento da seriedade. Estou insistindo, há alguns textos, na imagem do linchador, porque acho que ela é que transmite o que pretendo. Se estamos dispostos a acreditar em qualquer coisa que se diga sobre quem não gostamos, não passamos de linchadores. Não há a menor seriedade em linchar. Não tenho pudores de admitir que prefiro um governo bem mais liberal e bem menos afeito a bravatas do que este; mas não é por isso que vou defender que se diga o que for preciso, mesmo que seja mentira.
No Long Telegram de George Kennan, um dos documentos iniciais da Guerra Fria, ele, diplomata americano em Moscou, disse que o comunismo poderia ser derrotado se o Ocidente não se tornasse igual a ele. Com essas palavras, Kennan antecipa a idéia girardiana de que o conflito torna os rivais semelhantes. Claro que, do ponto de vista dos rivais, a diferença é máxima, mas sua conduta vai ficando idêntica — só o que varia é o discurso.
Por exemplo, hoje direita e esquerda, nas suas versões não necessariamente mais radicais, adotam a mesma conduta: atacam as instituições existentes com a desculpa de que o outro lado as despreza muito mais. Na religião, o católico autonomeado tradicionalista (leia-se: eu mesmo há alguns anos) ataca o Papado existente em nome de um Papado inexistente. O direitista despreza o presidente dizendo que ele é que despreza a presidência. É rigorosamente a mesma coisa que o católico “progressista” faz, a mesma coisa que o esquerdista faz. O nome disso é hybris. Isso equivale a atribuir a si mesmo o poder de legitimar as instituições do mundo em torno. Isso é o contrário da humildade e é o começo do terrorismo.
Está claríssimo que os representantes das instituições brasileiras cometem abusos. No entanto, uma recusa sistemática de aceitar a legitimidade das instituições brasileiras e uma filosofia do tipo “tudo já foi para o brejo” não vão criar um mundo novo de sabedoria e amor. Vão levar à tosquice e à violência. O que não falta na internet são covardes anônimos e iletrados que acham que, por ter as opiniões “corretas”, estão dispensados de analisar qualquer complexidade. A complexidade é uma ofensa! E depois, é claro, acusa-se o outro lado de pensar assim.
Pessoalmente, interessa-me mais a direita porque sou liberal. Mas o negócio está difícil. Já existem os equivalentes dos emirados sáderes da direita, e eles são vastos. Enquanto o desejo de dar crédito a qualquer boato e a falta de estudo rigoroso imperarem, a pata do elefante esquerdista esmagará a formiga da direita.