Trecho de uma pequena palestra de Leopoldo Serran em 1986 (vejam bem: 1986):
O hábito da passividade vem aos poucos atingindo a todos, inclusive aos artistas, e nós tivemos um bom exemplo disso quando foi criado o “Ministério da Cultura”. Como não podemos ou sabemos resolver nossos problemas, copiamos as soluções externas americanas ou francesas. E da França, normalmente o que ela tem de mais “pedante”, como o “cinema d’auteur”, a “Academia de Letras” e o “Ministério da Cultura”. Sobre o último, Jean Paul Sartre falou claramente: “A cultura não precisa de ministro”. Se é verdade que nenhum artista aceitou ocupar este posto, nenhum também chegou a contestá-lo, isto é, a cumplicidade com o poder e o dinheiro público vivida durante a ditadura, ensinou-nos a ficar “em cima do muro”. Assistimos em silêncio e nada foi dito.
E eu posso complementar com o seguinte: generalizando mesmo, um problema sério do Brasil é o excesso de incentivos para a imoralidade. Óbvio que não estou falando de libertinagem sexual. Estou falando do tamanho do governo mesmo. Onde há burocracia, há propinas. Onde há excesso de leis, há excesso de gente burlando as leis. Onde há a possibilidade de pertencer a uma elite burocrática com emprego estável e regalias (em comparação com o setor privado), há o incentivo para que os mais educados (aqueles que têm o mais forte sentido de entitlement, de que têm direito a privilégios que os distingam da massa proletária ignara) convenientemente ignorem que sua renda vem do blood money arrancado do povo. Onde o Estado administra tudo, as pessoas acham que justiça é obter algum privilégio às custas de alguém já que é impossível não ser roubado para dar privilégios a outros.
Para onde se olha, há governo. Para onde se olha, há nonsense. Mas o mais difícil é perceber as pessoas preferem um vasto, ineficiente e corrupto sistema de garantias meramente nominais à liberdade. Elas querem, como disse Alexander Herzen, “uma tirania que esteja do lado delas”. Até que ponto isso confere legitimidade a esse sistema? Tendo a achar que se ele fosse realmente voluntário não haveria tanta informalidade. Mas há uma diferença entre discurso e prática. Mesmo quem vive à margem do Leviatã quer suas benesses, acrescentando uma imoralidade à outra. Todos querem privilégios.