O passado

Hoje assisti na UFRJ a mais uma conferência da professora Cleonice Berardinelli. 92 anos, parece. Mas não escrevo para celebrar a senectude, e sim para uma pequena confissão: nos últimos meses, quiçá nos últimos anos, tenho feito um sério esforço para não cair na tentação que Jorge Manrique apontou em seu formidável poema: “a nuestro parescer / cualquiera tiempo pasado fue mejor”. Só que toda vez que ouço uma palestra de alguém mais vetusto – o próprio Girard já tem 85, se não me engano – espanto-me (e às vezes m’avergonho de mim mesmo) com a variedade de seu vocabulário e a clareza de suas explicações. Talvez alguém pense que as duas coisas são contraditórias, já que aparentemente a expectativa de um discurso simplesmente claro foi substituiída pela expectativa de um discurso “jornalístico”, e o leitor de jornal não vai parar para ir ao dicionário. Eu mesmo não levo o Houaiss para a mesa do café (nem pretendo passar a levar). No entanto, a que leva a padronização do discurso senão à… padronização do discurso? Antes de a professora Cleonice Berardinelli falar, um dos quatro ou cinco professores que fizeram suas preleções teve um discurso absolutamente previsível, repleto de lugares comuns. Entre um discurso padronizado jornalístico e um discurso padronizado acadêmico, onde está a famosa diferença, ela que justamente dá identidade às coisas e pessoas? Sem estes professores do passado, como poderíamos ouvir, viva, a linguagem de alguém que busca antes a fidelidade ao que pretende dizer do que a fidelidade a um padrão?

E digo outra coisa. Hoje em dia, falem mal de blogs o quanto quiserem, mas acho que quase que só neles você ainda encontra uma pessoa que fale como uma pessoa, e não como um veículo.

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