O que, francamente, me dá náuseas.
Não é que Sarah Palin me dê náuseas, nem Barack Obama: tenho a ventura de saber muito pouco sobre ambos. O que me parece pueril e vergonhoso é o fervor que se pode sentir por um político.
Em política, só o ceticismo em relação ao Estado salva.
Ok. Frases de efeito à parte, vamos voltar a martelar teoria mimética, porque o caso Obama / Palin é tão esquemático que chega a ser até um pouco tedioso.
Primeiro, a esquerda “possuiu” Barack Obama. Esse objeto infundiu no modelo uma qualidade transcendental: o otimismo em relação ao futuro. Diz Girard no começo de um de seus ensaios: “O desejo não é deste mundo. É para penetrar em outro mundo que se deseja.”
Simultaneamente, a direita invejou a esquerda por sua posse da esperança. Da “audácia da esperança” (juro que sinto vergonha dessa fórmula; não consigo nem repeti-la sem fazer uma ressalva). De ter as atenções da mídia. De ser o “novo”, o diferenciado, o inesperado. De ser the great white hope, the great hope white people like.
(Secretamente, a direita quer ser chique e aceita pela esquerda esnobe.)
Depois, a direita encontrou um objeto que poderia valorizá-la exatamente como Barack Obama. Alguém novo. Surpreendente. Sabor limão. Sei lá. Eu realmente não sei. O que eu sei é que agora eu vejo blogs de direita tratando Palin como a esquerda trata o Obama. E é claro que a esquerda é falsa, são um bando de iludidos, e a direita agora é que tem o desejo autêntico, espontâneo, verdadeiro. A direita quer sentir que tem direito ao sentimento messiânico. Que tem esse direito de modo mais real, legítimo e intenso que a esquerda.
Não ligo para futebol, mas sei que ao menos aqui no Rio existe um forte sentimento antiflamenguista. Muitas pessoas definem-se negativamente. Antes de torcer para o Fluminense ou para o Vasco, querem que o Flamengo perca. Na disputa esquerda x direita, cada lado é o Flamengo do outro. Cada lado imita o outro exatamente. E, sério, isso não é muito difícil de perceber. Nesse momento, o leitor pode assistir ao vivo, em tempo real, à criação de duplos miméticos puxando o saco inexistente de Sarah Palin.
A violência recíproca, porém, terá um marco no dia da eleição, e o lado perdedor vai demonizar o vencedor por aparentemente ter-lhe roubado esse direito à sensação de espontaneidade. Porque, meus caros, é muito mais legal torcer para um time que ganha do que para um time que perde. E os perdedores precisam de um bode expiatório. Nesse caso, é muito bom sentir-se oprimido pelo sistema. Aqui no Brasil, a direita reclama (eu inclusive!) do establishment esquerdista enquanto vive uma vida normal. Nos EUA, a esquerda fala como se vivesse sob uma fantástica opressão religiosa protestante. É tudo imaginário. Como o ateu not particularly bright que vi outro dia confessando não saber se seu futuro pertencia ao gulag ou às fogueiras da inquisição…
Vejam que isto tudo que falei não toca minimamente na questão do mérito real dos candidatos, questão que aliás me desinteressa prodigiosamente. O que falei diz respeito às atitudes em relação à política. Esperar grandes coisas de um político é praticamente a garantia de que 1. ele não vai fazê-las e você ficará cosmicamente ressentido; ou 2. ele não vai fazê-las e você vai mentir loucamente para preservar a própria imagem, exatamente como alguém que paga muito caro por algo mas continua a dizer que é bom só por vergonha de admitir que fez algo idiota.
Isto tudo que falei toca, porém, em duas coisas. Primeiro, toca na necessidade do auto-exame das próprias motivações (eu não falei “convicções”). Comece suspeitando de si mesmo: se os nomes de Barack Obama e Sarah Palin fazem acontecer alguma coisa no seu coração, o caso é grave. Mas vá adiante. Veja se você não está apenas imitando seu adversário, se você não estabelece uma grande linha que separa eu e eles na sua cabeça, e se você não acha que eles representam tudo aquilo que você jamais será. Segundo, toca no impacto que essas atitudes realmente têm no famoso bem comum. A disputa dos duplos – ver Batman e Coringa – só deixa um rastro de destruição e caos.
Um leitor mais arguto pode também me acusar de ter uma certa motivação: a de querer mostrar-me superior a toda essa disputa e de escrever somente com esse objetivo. Admito que essa impressão é uma decorrência inescapável deste meu texto. Admito até que uma parte de mim não está emocionalmente acima da disputa (sempre que a esquerda perde, tenho alguns segundos de alegria; ela é meu Flamengo) e que estou dominado por desejos miméticos negativos (existem os positivos) em outras áreas. Mas isso seria atacar a minha crítica da motivação com outra crítica da motivação, o que nem é inválido em si – só é mimético, e a única maneira de fazer uma discussão progredir é conseguir abandonar a competição mimética.
3 respostas para “Sarah Palin, Obama da direita”
Os comentários estão fechados.