Continuando o post anterior, parece-me que a crença em uma realidade objetiva, ou em uma verdade que independa das minhas opiniões (ainda que essa verdade objetiva só possa ser apreendida subjetivamente), é mais importante do que a “busca desinteressada pela verdade”, porque toda busca está subordinada a algum interesse.
Por exemplo, o lema do IICS, “o que discutimos aqui não são temas comuns, mas o modo de levar uma vida justa”, sugere que a busca da verdade está subordinada à busca pela “vida justa”. Você quer levar uma “vida justa”, e para isso precisa saber como o universo funciona, porque a chance de levar uma “vida justa” por acaso é muito baixa. Do mesmo modo, sempre me chamou a atenção em textos antigos a ênfase do conhecimento enquanto posse de um ser humano concreto e não como construção que deva subsistir sem um sujeito cque estude. Isso não significa que esse aspecto era desprezado, e o simples fato de os antigos preservarem obras é prova suficiente. Mas, pela maneira como os textos se dirigem ao leitor, vê-se que os antigos sabiam que o conhecimento modifica o estudante, e se a modificação não for previamente desejada os resultados podem ser meio bizarros.
Já disse que, em minha tenaz rebeldia, percebi que paguei por todos os conhecimentos que “adquiri” com algumas idéias de que gostava, mas que me impediam de ver a tão famosa e badalada verdade, e isso vale até para verdades pequenas e relativas. Essas idéias de que gostamos são como apetrechos errados para uma expedição. Às vezes juntamos a com b e não gostamos do resultado, e começamos a tentar fingir que aquilo poderia ser diferente. Ou eu começo. A minha vida intelectual é uma vida de sucessivas resignações e interesses diversos. A única coisa que não mudou foi a minha crença de que as coisas são de um jeito, e é melhor não tentar fingir que elas são de outro.
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Outro dia conversava com um amigo sobre essa questão do ensino de filosofia nas escolas, e perguntei a ele, partindo do pressuposto da obrigatoriedade, que espécie de filosofia poderia ser ensinada para adolescentes. Ele falou: “aquela que ensina a argumentar”. As Categorias de Aristóteles, o estudo sobre a interpretação… De fato, estudar isso ajuda você nas suas buscas. Juntar a com b também pode ser uma arte, e essa arte pode ser ensinada e aprendida (desde que você queira, é claro).
Um dos clichês do nosso tempo é o “pensamento crítico”, e ninguém nega que ele é unilateralmente crítico. Ser crítico significa ser contra Bush, o Papa e a TV Globo. Ok, trilateralmente. Mas não faria mal aprender a ser crítico de verdade, estimulando os adolescentes pela vaidade. “Ah, você se acha muito espertinho? Vou triturar suas idéias, seu moleque pretensioso.” O professor poderia ser um advogado do diabo, um boxeador da argumentação que conquistaria o respeito dos alunos. Mas algo me diz que isso só funcionaria no cinema.
Uma resposta para “E mais "para que estudar?"”
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