O caminho da irrelevância

O caderno Prosa & Verso de hoje pretende discutir o papel e a crise da crítica literária no Brasil. Ninguém me convidou para falar a respeito, mas, como não preciso de convite para falar aqui mesmo, quero fazer alguns acréscimos e tocar num assunto adjacente: a irrelevância da imprensa literária brasileira.

Se é verdade que resenhas publicadas nos suplementos literários têm o poder de inchar ou desinchar certos egos, esse parece ser seu único poder, já que também é verdade que, do ponto de vista da venda de livros, isto é, do interesse do público, nenhuma resenha tem o poder de aumentar ou diminuir a procura por exemplares. A melhor maneira de divulgar um livro é conseguir que algo seja publicado fora da seção literária. Como isso indica obviamente que a credibilidade da imprensa literária perante o público é nenhuma, se eu fosse o editor de um suplemento destes não faria outra coisa além de me perguntar o que seria bom ou interessante para os leitores das outras partes do jornal ou da revista. Para clarificar, por “público” refiro todos aqueles que não devem seu sustento ao meio literário (academia, imprensa, internet), já que sua opinião da imprensa literária costuma variar de acordo com seu favorecimento ou desfavorecimento por ela. Em termos mais vulgares, panelinha boa é aquela à qual eu pertenço. E devo dizer que nada tenho contra as “panelinhas”: são um fenômeno tão natural quanto as chuvas.

Também sei que é importante distinguir entre crítica literária e imprensa literária. Não dá para comparar trabalhos acadêmicos com artigos de jornal. Sobre a produção universitária, só é possível dizer que é muito variada. Conheço trabalhos excelentes, como os de Kathrin Rosenfield, Lawrence Flores ou Paulo Henriques Britto, e trabalhos que nem derridão nem descem. A imagem da academia é que nem derridá nem desce e os bons trabalhos acabam confundidos com os ruins, sobretudo por aquela parte da nossa querida direita que precisa xingar tudo que vem da universidade para imaginar-se especial e abençoada.

O caminho da irrelevância, porém, foi escolhido no exato momento em que a atividade crítica ou literária foi transformada em mera questão de afirmação da identidade. No meio acadêmico, o mais comum é ver professores tentando afirmar a unicidade de seu olhar sobre uma determinada obra. Essa obra, por sua vez, também já foi feita tentando ser mais “única” do que simplesmente “boa”. O artista aliena o público na criação e o crítico aliena o público na leitura. O artista quer afirmar-se diferente e único em relação aos outros artistas, e o crítico em relação aos outros críticos. Ninguém coloca diante de si o público, a imagem de alguém cuja atenção deve ser conquistada e dirigida para um outro objeto. Ninguém tem o ideal de ser um intermediário invisível, escondido atrás da arte de entreter ou explicar.

Por isso tudo, diante das páginas dos jornais, será realmente tão difícil escolher entre ler o culto ególatra das idiossincrasias de gente desconhecida e ver fotos de modelos no suplemento feminino? O objetivo do crítico e do resenhista de jornal deveria ser produzir um equivalente textual da Ana Beatriz Barros.

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