10 anos de O Indivíduo

Quando O Indivíduo fez 9 anos, fiquei empolgado com a idéia de vir a completar uma década no ar. A permanência por si é uma vitória. Quis fazer algo para comemorar, mas fui impedido tanto pelas ocupações – e hoje posso dizer que boa parte das minhas ocupações surgiram como decorrência de O Indivíduo – quanto pela consciência de que estou muito mais preocupado com o futuro do que com o passado. Não consigo enxergar no futuro próximo ou remoto o fim de O Indivíduo, e acho que preocupar-se demais com o passado é coisa de quem vai morrer. No entanto, um balanço é importante até para manter a identidade e a continuidade.

A primeira década de O Indivíduo vem alguns meses depois da minha terceira década de vida. Olhando para o Pedro de 20 anos, vejo algumas diferenças, diferenças que me parecem decorrer naturalmente da idade. Primeiro, não consigo sentir a mesma indignação que sentia há 10 anos. Aos 20 anos eu realmente sentia que o tempo era um bem infinito, e hoje realmente sinto que é um bem escasso. A urgência que sinto em escrever ou fazer qualquer coisa é muito mais determinada pela sua oportunidade do que pela minha impulsividade, apesar de eu continuar sendo impulsivo e temperamental. Adquiri a capacidade, que até há pouco não tinha, de me desinteressar profunda e subitamente por tudo que me pareça idiota. Tenho certeza, porém, de que não foi apenas a minha senectude que contribuiu para isso, mas também a morte, no espaço de 36 dias, de quatro pessoas próximas, uma delas o Bruno Tolentino. Para quem nunca tinha sentido a morte de perto, foi uma dose impressionante. Também houve um momento, há alguns anos, em que eu decidi conscientemente parar de falar tão mal de tantas coisas, e adotar um tom mais positivo; eis algo que eu espero que os leitores tenham observado. O domingo com poesia, por exemplo, vem do desejo de compartilhar aquilo de que mais gosto. Não tomei essa decisão apenas por achar que ficar falando mal de tudo me fazia mal (e fazia mesmo), mas também por finalmente perceber que haverá melhores frutos naquilo que for feito com amor.

Passando de um balanço interior a um balanço exterior, acho que diversas coisas melhoraram nos últimos 10 anos e creio que O Indivíduo deu alguma contribuição para isso. Quando houve a confusão na PUC, mais por causa do texto do meu heterônimo Cláudio Lévi-s Lee, e na imprensa, por causa do texto A negra noite da consciência (que até hoje é o artigo mais visitado de O Indivíduo, de muito, muito longe: em janeiro, por exemplo, respondeu por 22% de todas as visitas, segundo o Google Analytics), não se passava um dia sem que tivéssemos que explicar que não éramos racistas só porque éramos contrários a cotas para negros. Houve uma canalhice na leitura do meu texto que não é mais possível: hoje mesmo o Globo publicou um editorial perfeitamente respeitável contra as cotas e, como sabemos, o Ali Kamel se interessou pelo assunto alguns anos depois de mim. Hoje, mesmo freqüentando o ambiente da UFRJ, não conheço uma única pessoa que seja considerada racista por ser contra as cotas, e conheço pessoas – até professores – que falam contra elas com mais violência do que eu. Não somos racistas, ninguém acha isso, e não precisamos explicar. É gratificante pensar que a resistência à tentativa de criminalizar uma opinião deu certo. E, quando eu mesmo tendia a minimizar o episódio, descobri nada menos que uma tese de doutorado que lhe dedica bons capítulos. Só me impressiona um bocado a banca ter aceitado tantos erros de pontuação e a autora nunca nos ter procurado para falar a respeito.

O mais positivo, creio, é que hoje existe na internet uma imensa variedade de atitudes culturais que podem ser genericamente chamadas de “direita”. Há a direita liberal, a direita atéia, a direita cristã, a direita cética em relação a quaisquer governantes (eu mesmo), a direita cética em relação aos atuais governantes e deve haver outras direitas. Tenho a felicidade de muitas vezes ler coisas que eu mesmo gostaria de dizer e me sentir desobrigado de abrir a boca – coisa que, há dez anos, era impensável, ao menos no Brasil sem internet.

Se me cabe fazer algum voto para o futuro, espero apenas renovar a espécie de profissão de fé do primeiro editorial do Indivíduo em papel: falar sempre em nome de mim mesmo, da consciência individual, a única que pode conhecer a verdade, mesmo que parcial; a única que pode ter fé na existência da verdade e buscá-la. Espero conseguir falar desde o ponto de vista em que é possível ver as coisas e ser visto por elas, “lendo no dicionário do Cosmos” para usar uma expressão de Otto Maria Carpeaux, e não no dicionário da ideologia e do discurso padronizado que corrompe a linguagem e a consciência. Não digo que eu tenha sempre conseguido fazer isso. Mas acho que nunca tive outra ambição.

Obrigado a todos os que nos acompanham.

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