Contra a reforma ortográfica

Aquilo que escrevi sobre a insistência em ensinar gramática na verdade nasceu do meu desejo de falar de outra coisa, a bilionésima reforma ortográfica da língua portuguesa, reforma que pretendo desprezar absolutamente sempre que puder.

Vejam, não é o caso de discutir o que faz sentido ou não. Não estou discordando dos métodos da reforma, mas da necessidade de reforma. Já vi o dono de uma editora brasileira dizendo que se beneficiaria da reforma porque assim poderia vender seus livros didáticos em Angola. Então a reforma será feita para atender aos interesses dos empresários? Também já vi um burocrata dizer que graças à reforma diversos documentos de reuniões oficiais entre Brasil e Portugal poderão ter uma única versão. Então a reforma será feita para atender aos interesses da burocracia?

A cada vez que se faz uma reforma, ortográfica ou gramatical, prejudica-se a continuidade do idioma e o argumento sempre usado por professores escolares de que as regras vêm do uso dos grandes autores perde credibilidade. Pegue qualquer edição antiga de Machado de Assis: separar sujeito de predicado por vírgula é bastante normal. A grafia das palavras, se você tiver sorte de pegar uma edição suficientemente antiga, remeterá às suas raízes latinas, e você notará a semelhança ortográfica maior com outros idiomas. Isso sim faz com que você perceba que o idioma está “vivo”, cravado na realidade do passado latino e do presente neolatino – o que é bem diferente de simplesmente dizer “a língua é viva” quando se quer justificar alguma bobagem.

A reforma ortográfica é a tecnocracia lingüística. São estudiosos e professores que, sem jamais ter escrito uma página memorável, querem “melhorar” o idioma. Por isso ela tem o cheiro do ressentimento típico dos intelectuais, que desejam ter alguma espécie de poder. E, na verdade, já que a educação está organizada em ministérios e comissões oficiais, não há nada de estranho nisso.