Não tenho opinião sobre a legalização das drogas. Isso não quer dizer que não tenha pensado no assunto, mas que realmente não tenha conseguido chegar a nenhuma conclusão. De um lado, o argumento de que todo ser humano tem o direito de cheirar, injetar etc. o que quiser me parece inteiramente razoável. Posso achar isso errado, mas é irrelevante: há muita coisa que eu acho imoral, errada e até mesmo abominável cuja criminalização jamais defenderia. De outro lado, a idéia de subitamente transformar gente como o Fernandinho Beira-Mar em respeitáveis empresários é claramente perversa. Muitas drogas têm um efeito negativo quase imediato sobre o usuário; desejar fornecê-las já demonstra falta de escrúpulo.
Mas não posso deixar de observar uma tremenda incoerência na postura do governo em relação às drogas. Atualmente, os usuários são muito menos penalizados do que os fornecedores. Ora, só há oferta porque há procura. Dificultar as coisas do lado da oferta só faz subir o preço, ainda mais se do lado da procura as penalidades diminuem. É só uma questão de juntar A com B, e nem um membro do PT consegue ser tão burro a ponto de não perceber. Se o governo realmente desejasse coibir o uso de drogas, reprimiria duramente o usuário. Uma pena só pode desestimular a prática de um ato se ela for desproporcional, e por isso o governo teria de punir, sei lá, com meses de cadeia quem fosse encontrado com substâncias mesmo em pequenas quantidades e para uso pessoal. Se a sociedade, por sua vez, realmente quisesse coibir o uso de drogas, faria delas um tabu e puniria os usuários à sua maneira, isto é, sem mandá-los para a cadeia, mas fazendo cara feia, fechando portas.
Porém, a sociedade não quer coibir o uso de drogas; a sociedade quer as drogas, mas não quer as conseqüências automáticas da concorrência entre pessoas tão inescrupulosas que não se incomodam de vender algo que pode rapidamente destruir vidas. Ainda que eu até defenda o direito individual à auto-destruição, não posso deixar de notar este absoluta contra-senso. E não adianta dizer que a solução é socializar as drogas, porque isso equivale a fingir que não se estaria criando o problema da corrupção no setor de drogas estatais, nem o problema de, bem, eu não querer pagar pela maconha do vizinho (como, aliás, não quero pagar por sua promiscuidade), assim como não espero que ele financie as minhas preferências. Isto para nem tocar na questão de ser um tanto difícil relacionar a cocaína estatizada com a idéia de bem comum.
O problema me parece insolúvel, para dizer a verdade.