Em 2002, quando me perguntavam por que eu não votaria no PT, além de explicar que acho que a multa de meros R$3,51 para abster-se é uma boa e bela opção (até porque só preciso ir à minha deserta zona eleitoral na hora de renovar o passaporte, nosso documento mais importante), gostava de dizer o seguinte: pessoas que se consideram puras são canalhas, pessoas que dizem que são a essência da ética infalivelmente farão o mal. Quem é bom tem vergonha do mal que fez. Não é o caso de ficar todo “ai, que metafísico”, meditando sobre a profunda natureza do mal e da fragilidade humana, mas de recordar: fiz isto, fiz aquilo, e fiz ainda outras coisas que tenho vergonha até de pensar. Por isso, sem nem mesmo tocar em questões ideológicas, acho que sempre é possível dizer: se você vem me dizer que são suas lindas intenções que vão produzir “um Brasil melhor”, eu digo que você é no mínimo um estelionatário.
Os quarenta réus do “mensalão” parecem comprovar, anos depois, o que eu dizia. Mas enfatizo o “parecem”. Ainda acho que minhas palavras se mantém, mas outra questão tem ocupado meus pensamentos, que é o desgaste do discurso da direita. De antemão, parece que, se os “mensaleiros” forem considerados culpados, a direita dirá que isto prova que a estratégia esquerdista inclui descartar qualquer companheiro que possa prejudicar ou manchar a “causa”. Aliás, lembro que uma das primeiras coisas que ouvi na UFRJ, em 2003, foi que “o Palocci é de direita”, e pensei: “Raios, essa gente não entende que chegou lá?” Porém, se os “mensaleiros” forem absolvidos, a direita dirá que a esquerda já não tem mais pudores em manifestar seu privilégio (isto é, sua lei privada).
Definitivamente não sou de esquerda, e uma das coisas que menos gosto no Brasil (e em Portugal) é a mania de querer sempre se colocar “acima do debate”. Preocupa-me que o discurso da nossa incipiente neodireita possa se desgastar tão rapidamente. Por outro lado, não custa lembrar que uma coisa é estudo sério, busca da verdade; outra coisa é luta ideológica, guerra cultural. A boa guerra cultural, diria eu, é aquela que é uma mera decorrência da busca da verdade; é a natural rejeição pela mentira, cujo discurso parte dos fatos mesmos, não das predisposições políticas.
Também não acredito na “apolitéia”: acho, com Platão, que o preço que os homens bons pagam por não se interessar por política é ser governados por homens maus. Disto não deduzo que se deva acompanhar a política partidária brasileira diariamente, ou que se deva saber minúcias da vida de Renan Calheiros. Mas é preciso ter princípios, conhecê-los, argumentar em seu favor, conhecer sua própria posição no espectro político.
Se pode haver uma direita interessante, será uma direita cujo interesse central é a natureza das coisas, e não simplesmente a supressão do adversário. Para isto, já temos o futebol.