Op. cit., pp. 164-65
Paulo Henriques Britto, Tarde
“No poema moderno, é sempre nítida
uma tensão entre a necessidade
de exprimir-se uma subjetividade
numa personalíssima voz lírica
e, de outro lado, a consciência crítica
de um sujeito que se inventa e evade,
ao mesmo tempo ressaltando o que há de
falso em si próprio — uma postura cínica,
talvez, porém honesta, pois de boa-
fé o autor desconstrói seu artifício,
desmistifica-se para o ‘leitor-
irmão…’” Hm. Pode ser. Mas o Pessoa,
em doze heptassílabos, já disse o
mesmo — não, disse mais — muito melhor.
***
Autopsicografia
Fernando Pessoa, Cancioneiro
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Leitura e comentário: 3m36s
[audio:opcitautopsicografia.mp3]
Paulo Henriques Britto, que metrifica perfeitamente aquilo que ouve em conversas e aulas, lança seu novo livro de poemas, Tarde, e ironiza a teoria literária, como aliás faz no último conto de sua coletânea Paraísos artificiais — mas não posso contar o final para não estragar o suspense.
Fernando Pessoa, um dos poetas de primeiro time mais pirados de todos os tempos, assina o melhor poema sobre o ato de ler de todos os tempos, e lembra aquilo que Auden escreveu em algum lugar: não é tão difícil que um poeta diga que aquilo que ele escreve não dá conta das experiências, e que é melhor tê-las do que ouvir falar delas. Mas é difícil ver um crítico admitir que nada do que ele disser poderá dar conta da obra de um escritor…
Ponto para Paulo Henriques Britto.
Bem-vindos de volta ao domingo com poesia.