Meus cinco livros

Este post foi escrito originalmente para O Insurgente.

Pediu-me o André que dissesse os cinco livros que li ou estou lendo. Lá vão, com gosto:

TardeTarde, de Paulo Henriques Britto; o lançamento do poeta-professor-tradutor brasileiro, que consegue meter a fala cotidiana carioca na mais rigorosa métrica, e que vai se firmando cada vez mais como “o materialista tranqüilo”, como já o chamei. Se você busca a total ausência de transcendência, pode vir. Católico que sou, não é o meu caso, mas aprecio suas ironias e seu trabalho com a linguagem. E como geralmente não gosto de poemas voltados para si mesmos, nem da linguagem acadêmica, acho muita graça nas ironias de Britto contra a teoria literária. São piadas internas, talvez. Mas eu, que vivo no ambiente das faculdades de letras, consigo entendê-las perfeitamente…

MiddlemarchMiddlemarch, (também em excelente tradução em português) de George Eliot, o livro que Virginia Woolf disse ser “um dos poucos romances ingleses escritos para adultos”. Jane Austen é ótima, mas é fácil ficar cansado de seu tom de conversinha entre mulheres. George Eliot é para todos, e, francamente, parece a pessoa mais inteligente e observadora do universo. Também há duas razões para amar os romances ingleses antigos e sobretudo este: casas que têm nomes (“Lowick”, “Stone Court”) e personagens de imensa beleza moral. Enquanto livrinhos escatológicos pretendem falar do que é “humano”, eu prefiro dizer: humana é Dorothea Brooke, a protagonista de Middlemarch.

A imitação do amanhecerPor conta da morte recente de meu amigo, o poeta Bruno Tolentino, seu último livro, A imitação do amanhecer, também não sai de perto de mim. Sinto remorsos por ter dito em conversas que o livro era obscuro demais, quando eu é que estava numa fase preguiçosa. Aqui um trechinho desta maravilha:

Tua luz, tradutora, é estranha, contamina.

É muito grave, Alexandria, o que ela faz:

oriental, ela ilumina este Ocidente

que acredita no ser que coloca no instante,

mas faz dos dois, do acorrentado e da corrente,

elo por elo a confissão itinerante

que apelida de História: tua luz vai à frente,

atrás as sombras dessa marcha escravizante.

Seleta de prosaMinha leitura de antes de dormir tem sido a Seleta de Prosa de Manuel Bandeira, um dos grandes poetas da nossa língua, que nestes ensaios demonstra uma virtude que, ao menos no ramo da crítica literária, parece quase exclusivamente anglo-saxônica: o bom senso, o common sense. Assim como Auden, Bandeira também exerceu a crítica premido pelas circunstâncias, isto é, para ganhar dinheiro. A razão de estes seus ensaios, como “Apresentação da poesia brasileira”, “A versificação em língua portuguesa”, “Itinerário de Pasárgada” e outros não serem lidos e estudados nas Faculdades de Letras brasileiras é inteiramente misteriosa, já que o poeta Bandeira continua perfeitamente amado. Mas o mais bonito é ver como Bandeira, além de ter bom senso, não tem um dos mais incômodos defeitos dos críticos lusófonos: a afetação de superioridade, o desejo de sempre desfazer um pouco daquilo de que se está falando, o ar blasé que só esconde insegurança e impotência.

Without TitlePor fim, preparando-me para o lançamento próximo de A Treatise of Civil Power, volto com muito gosto ao último volume de poemas de Geoffrey Hill, Without Title. A série “Pindarics” é, para mim, o ponto alto do livro. A primeira estrofe do poema 21 (p. 55):

After the prize-giving the valedictions;

after the phone call a brief sense

of what happiness would be like; after

the forgiveness a struggle to forgive.

Some discourse is expansive, but some

composed of opposing blocks. Again

the award ceremony as paradigm

for the expected. She gives herself

to the right man. Their painless composure.

Eu poderia ficar por aqui como o Miguel, mas queria perguntar ao Bruno Garschagen quais são os dele.

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