Sobre o sexo e a Austrália

Antes de tudo: agradeço ao leitor anônimo que me enviou um DVD da minha lista de presentes da Livraria Cultura.

Primeiro, este post de Júlio Lemos:

Ao escrever livros como “A fúria do corpo” e coisas semelhantes, a inteligência como que entra em greve, fingindo-se sindicalista.

Irônico: pretendem, a todo tempo, aumentar o status intelectual de coisas que só poderíamos qualificar, com realismo, de baixaria. Esquecem que uma das propriedades da inteligência é a hierarquia: primeiro as necessidades espirituais e intelectuais, que imperam sobre tudo, em seguida os sentimentos e por fim as necessidades corporais, entre elas as demandas do instinto de sobrevivência. O problema não são as coisas que estão abaixo na hierarquia – o corpo tem a sua dignidade, e todos os seus instintos, ao contrário do que dizem espiritualistas, gnósticos e, em chave contrária, naturalistas – mas sim o deixar que se tornem tiranos, ou torcer a sua função. Se quem manda em você são impulsos à la Janer, não lhe posso dar outro nome – …

O sexo verdadeiro só existe se integrado – e submetido com elegância, diplomaticamente – pela inteligência. Por isso as virtudes nada mais são do que sentimentos, desejos, etc, na sua devida “forma”.

Isto é a coisa mais difícil, difícil até de conceber: o sexo racional. Como eu acho que já disse aqui, ninguém diria acreditar num garotinho pagão, pelado e voador que flecha as pessoas, mas quase todos agem como se ele existisse. O sexo se tornou o terreno onde é legítimo, e até necessário, ser irracional. Comer de modo irracional é socialmente feio, beber irracionalmente também, mas admitir alguma preponderância da razão sobre os instintos sexuais parece mais pervertido que o incesto e a pedofilia juntos. Até mesmo o Dr. Freud, que dizia que os instintos sexuais podiam ser sublimados e transformados em energia criativa para outras coisas está esquecido… O discurso público – artístico, médico, político – trata o ser humano como objeto de certos instintos, e colocar-se à mercê de substâncias químicas produzidas pelo seu organismo ou à mercê de deuses olímpicos parece-me tão somente uma mudança de tempero.

Agora vamos à Austrália.

Já que eu me meti, mais uma comparação: a baía de Sidney é mais recortada e imprevisível que a da Guanabara, com sua estranha simetria entre os lados do Rio e Niterói. Além disso, é indescritivelmente limpa — para quem acomoda umas 15 barcas cruzando seu leito dia e noite, fora cruzeiros, catamarãs e aerobarcos — e teve extrema felicidade na intervenção humana; mesmo os arranha-céus se restringem ao Cais Circular, cedendo espaço para o inacabável verde dos gramados do Jardim Botânico. A baía de Guanabara é mais ampla em seu recorte e a ponte Rio-Niterói não valoriza paisagem nenhuma, mas com um conjunto de morros como aquele a lhe rodear, nem precisava. A baía de Sidney é mais bonita inclusive pela maneira como foi ocupada, a baía de Guanabara tem o conjunto mais bonito.

Gosto muito de ler os relatos de viagem de Rafael Lima e sempre acompanho suas aventuras australianas. Foi em sua última vinda ao Brasil que, discutindo o caráter dos povos, com direito a todos os preconceitos que há nas generalizações, concluímos que o brasileiro ainda tem o sentido de bom e mau, mas para o americano a distinção mais importante é entre o legal e o ilegal. Ele é o melhor autor de textos leves sobre viagens – não usa clichês como os jornalistas e, como paga as coisas do próprio bolso, tem uma experiência mais próxima daquela que eu mesmo teria.

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