O fim do subjuntivo?

É possível que a morte do subjuntivo tenha começado em São Paulo: mais de uma pessoa já me disse que uma das marcas da fala daquela cidade é o famoso “você quer que eu faço” no lugar de faça. Mas aqui no Rio já até me acostumei a ouvir falar assim, e a ouvir o pretérito perfeito do modo indicativo tomar o lugar da locução de particípio com auxiliar no subjuntivo: “talvez ele foi” no lugar de “talvez ele tenha sido”. Como de hábito, atribuí a causa à influência inglesa – sim, tenho mania de atribuir quase todos os maus usos que vejo ao fato de o inglês ser quase a nossa verdadeira língua de cultura e o português ser a língua que usamos para comprar pão – , porque as equivalências entre os tempos verbais nas duas línguas não são tão imediatas quanto ensinam nos cursos. Afinal, mesmo que o inglês obviamente possa expressar o modo subjuntivo, não há marcas peculiares que o distingam. Se digo maybe he was an honest man, escrevo e falo was exatamente como no passado simples: he was an honest man. Só que a tradução da primeira frase é “talvez ele fosse / tenha sido um homem honesto”, e a da segunda é “ele foi / era um homem honesto”. Mais curioso ainda é que tenho a impressão de que se o verbo fosse “querer” não haveria erro de tradução, nem mau uso do tempo verbal português; não consigo imaginar ninguém dizendo “talvez ele quis” no lugar de “talvez ele quisesse”.

Pois bem. Eu considerava que isto tudo era um fenômeno oral, e que não chegaria à versão escrita do que consideramos “português culto”, até que ontem o colunista Luiz Garcia, do Globo, iniciou sua coluna com um fantástico “talvez… é”. O revisor não corrigiu, e hoje, quando o jornal costuma publicar correções e erratas de ontem, não saiu nada sobre o “talvez é”. Vejam, nunca achei, ao contrário dos nossos professores, que a leitura habitual de jornais e revistas fosse importante para adquirir um bom domínio da língua escrita, porque a linguagem jornalística tende a ser padronizada e inexpressiva. Porém, tenho que admitir que é muito difícil nela encontrar um erro de português, e por isso me surpreendi com o erro no texto assinado.

Luiz Garcia

O Globo, 20 de Abril de 2007, com link para PDF da página

Agora preciso perguntar: foi um erro mesmo? O aparecimento deste “talvez é” é apenas a aceitação do que é supostamente inevitável?

Francamente, não acho que devamos dar tanto peso, no nosso uso pessoal da linguagem, ao argumento do “uso consagrado”, porque isso é tão imbecil quanto fazer algo só porque todo mundo faz. Claro que a linguagem depende sobretudo do uso comum, mas ela é um pouco semelhante às roupas: necessárias e dizem algo a seu respeito, nem que seja só que você não está muito interessado em escolhê-las. Sua escolha de palavras e estruturas também mostra se você é ou não ou amante da precisão e da própria linguagem. Por isso não queria que o subjuntivo morresse. Pouco me importa que o inglês só distinga o subjuntivo pelo contexto, exceto nas pessoas do singular no passado; importa que todo modo de expressão é um jogo entre informação – aquilo que você não sabe – e redundância – aquilo que você já sabe – , em que esta confirma aquela. O contexto é, por sua natureza, um modo indireto de dar informações, e por isso fica melhor no papel de redundância que no de informação. Vamos deixá-la com o verbo, em torno do qual nossa expressão se ordena.

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