Lembro perfeitamente que na adolescência me perturbava muito a imagem do idiota que vê uma obra de arte ridícula e esmera-se em fazer-lhe os maiores elogios. Posso dizer que o medo de ser este idiota me motivou algumas vezes quase tanto quanto o amor à verdade. Só que é fácil falar de amor à verdade quando estamos diante de uma questão mais geral. Uma questão muito específica, como “Este poema aqui é bom? E por que é bom?”, é bem mais intangível. E insisto, não basta só “sentir” ou saber que algo é bom. É preciso saber por que é bom, e agradeço a Bruno Tolentino por ter repetido isto inúmeras vezes para mim. Se você realmente sabe por que uma obra é boa, pode dizer sem mentir que respeita um autor ainda que ele não esteja entre os seus preferidos.
Saber por que uma obra é boa começa pela educação do gosto, que nada mais é do que um processo relativamente banal de autoconhecimento. Basta perguntar-se sempre: “Por que gosto disso e desgosto daquilo?” As respostas podem demorar. Você pode ter de admitir que gosta de algo por razões inteiramente subjetivas (tão particulares que só você pode entender), banais ou infantis. Você pode descobrir que na verdade tinha interesse pelo assunto da obra e não pela obra mesma. Você vai ficar ciente dos seus próprios preconceitos e inclinações e pode tentar alterá-los se tiver algum ideal de bom gosto. Um efeito colateral inevitável deste processo é que você também passe a conhecer um pouco das obras de que gosta e não gosta, porque não há como chegar a uma explicação satisfatória de por que sem antes saber o quê. Depois disso você será capaz de saber o quanto gosta de algo: vai saber se gosta de poesia (ou pintura, música etc.) em geral e por isso tem vontade de ampliar seu repertório de leituras ou se aquilo é algo secundário na sua vida. Mas se a própria expressão artística se transformou numa questão, então você pode dar mais um passo e começar a comparar os estilos de diversos autores. Veja bem: não se trata de comparar a impressão que eles causam em você, nem de ficar falando frivolidades idiotas como “é bom ler este aqui num dia chuvoso enquanto se bebe uísque, e aquele ali em dias de sol, na praia.” Agora você não é mais o assunto.
Neste ponto você começa a elaborar critérios que vão refletir também o que você pensa sobre a arte de modo geral e aquela expressão artística em particular. Não são réguas, mas são regras, critérios objetivos, sempre temperados pelo bom senso. Algumas das regras que uso são as seguintes: em primeiríssimo lugar, toda obra precisa ter algum interesse imediato, nem que seja um incômodo que dá vontade de voltar a ela, para entendê-la melhor. Ela pode ser difícil, mas tem que ter algum encantamento direto. Em segundo lugar, e a partir de agora vou falar só de poesia, tem de ser inteligível. Novamente, ela pode ser difícil, mas tem de haver uma possibilidade de compreensão que não dependa de um mergulho nas idiossincrasias do autor. Terceiro, tem de ser econômica: a poesia gosta de compressão, mas é preciso usar o bom senso para que o poema não fique tão comprimido que se torne ininteligível. Quarto, a escolha de palavras e a sintaxe têm de ser coerentes com a proposta estética. Quinto, o autor tem de mostrar que sabe que existe uma relação entre métrica, ou o que quer que ele chame de verso, e a melodia da fala da língua que ele usa, no registro que ele usa. Sexto, o tratamento do assunto tem de revelar mais intimidade com ele do que a descoberta imediata. Nada de fazer poemas porque você descobriu que estar apaixonado é gostosinho. Auden já dizia: o principal na obra de arte é “assunto, assunto, assunto”, então pense bem antes de maltratar o teclado. Sétimo, nada de usar trocadilhos nem “desconstruir a linguagem”. A língua tem significante e significado e um não vale nada sem o outro. Oitavo, mas certamente não último, é preciso ver se o conjunto funciona. Se funciona e ainda por cima escapa da banalidade, é bom.
Todos estes fatores mostram que há muitas intenções em um poema, que podem ser colocadas nele por esforço ou por hábito do artista. Não há problema em fazer uma comparação com um bolo. Um bom bolo sabe que é bom. Você percebe que ele não foi feito por acaso. Um bolo ruim não sabe de nada. Você percebe que ele não sabe como chegou até ali e, francamente, preferia que ele não tivesse chegado.
Posso me gabar, depois de ter dito tudo isso, que passei no teste que mencionei no primeiro parágrafo. Uma vez, na UFRJ, olhava com alguns amigos os poemas que os alunos penduraram no mural. Todos eram muito ruins, exceto um, que não estava assinado, e eu consegui dizer: isto é bom, é bem-feito. Depois descobri que era um poema de Cecília Meirelles.