Uma coisa que eu não consigo entender é o escândalo que pessoas que não são católicas e fazem questão de deixar isso bem claro demonstram sentir quando o Papa vem dizer algo que, bem, diz há dois mil anos. Se um dia o Papa liberar o segundo casamento, isso sim parece digno de ser noticiado, e digno até de escândalo; mas se o Papa apenas repete o que todos já sabem, o que há de tão especial? Por acaso alguém dá espaço no jornal para notícias como “Rabino diz que judeus não podem comer carne de porco”?
Sei que agora você espera que eu comece a falar sobre como isso acontece porque a Igreja é divina e por isso cheia de inimigos; eu acho que isso é verdade mesmo, mas também vejo razões muito menos transcendentes para o espetáculo da idiotice que toma conta da mídia toda vez que o Papa repete a doutrina católica. Ao contrário de mim, que tenho um blog que atualizo quando quiser, e se quiser, o jornalista tem um espaço em branco para encher de caracteres. Ventilar seu anticlericalismo é sempre uma maneira de preencher a cota de um, dois ou até três dias e assim não passar vergonha diante do chefe, que por sua vez vai publicar um monte de bobagem em nome da liberdade editorial, sabendo que, no caso dos comentaristas, a seleção foi feita ex ante e a simples sugestão de que um texto pode ser recusado por ser considerado um lixo faz com que se grite e alardeie histericamente: “censura, censura!” A ninguém mais ocorre que “censura” é uma atitude que o governo toma contra os cidadãos, e que a recusa de um artigo é mero exercício do sacrossanto (vide o sétimo mandamento) direito de propriedade privada, ou seja, censura só em sentido metafórico. Assim, temerosos de ser considerados “ditatoriais”, movidos pela idéia de que é importante ter “respeito” mesmo por aquilo que é uma franca idiotice, e crentes que “magnanimidade” é permitir que a bobagem e por vezes a canalhice não sofram restrições, os editores, que também precisam ver páginas repletas de letrinhas, vão publicando aquilo que recebem. Isto, é claro, supondo que eles mesmos já não encomendem estes textos.
Para tornar aos meros repórteres, não consigo esquecer aquilo que um empresário do ramo, sócio e diretor de um famoso periódico, me disse: “O jornalismo é ruim e vai continuar sendo ruim enquanto houver obrigatoriedade do diploma. As pessoas que vão trabalhar em jornal não entendem de nenhum assunto.” Acho que a obrigatoriedade acabou, mas a idéia de contratar alguém – qualquer pessoa – que seja capaz de entender do que está falando ainda não vingou em mais uma das corporações brasileiras.