O sepulcro e a rainha

Sempre leio o Los Olvidados e fico admirado com os textos do Paulo Ricardo de Almeida: não apenas é claro que ele só pensa em cinema, como escreve como quem entende muito do assunto. E eu, que não entendo nada (a mim quase que só interessa o roteiro), aparentemente gosto sempre daquilo que ele não gosta e vice-versa.

Mas hoje ele prestou bons esclarecimentos sobre o milionésimo documentário que pretende estabelecer que nem Jesus era Jesus, nem Deus é Deus, nem você pode acreditar em alguma coisa que não seja este documentário aqui. Mas não só: também fez alguns comentários que são simplesmente geniais, e estou perfeitamente ciente do sentido da palavra “genial”:

A preocupação maior que aflige quem se debruça sobre o início do cristianismo, hoje, parece ser apenas se Jesus transou ou não com Maria Madalena, se teve filhos ou não com ela. Transposição da lógica dos tablódes, do sensacionalismo a respeito das celebridades instantâneas, do espetáculo do mundo contemporâneo. A estrelas da Antiguidade também viraram alvo para o público que adora espiar a vida privada alheia (…).

Seguindo esta linha de raciocício, livros como O Código Da Vinci seriam uma espécie de revista “Caras” sobre a vida de Jesus. (…)

[Sobre Maria Madalena:]De um lado, a prostituta, e de outro, a mãe e a esposa. Os papéis femininos aceitos pela sociedade patriarcal. Duas idéias comuns: a de que é preciso dormir com o chefe para subir na vida, e de que “atrás de todo grande homem há uma grande mulher”.

Mais embaixo, ainda encontrei uma resenha sua de A rainha, de Stephen Frears, da qual eu tiraria a frase final, “Deus salve a rainha”, por causa do meu profundo antimonarquismo e porque, bem, é um tanto clichê. Também observaria que a cultura das celebridades existe na Inglaterra pelo menos desde o início do século XVIII, com a liberdade de imprensa, e que a vulgaridade é menos moderna do que se supõe. Admito, porém, que ela só cresce, e que a fotografia e a TV lhe deram toda uma nova dimensão. Mas esta minha objeção é quase que só técnica. Tirando isso, tudo é perfeito e fiquei felicíssimo de, pela primeira vez, ler um texto do Paulo Roberto em que não apenas temos uma opinião semelhante, mas idêntica.