Toda vez que leio o texto de algum incréu dizendo que ser religioso é cômodo e ser ateu é que é a verdadeira coragem, penso a mesma coisa: “que idiota”. Não sei como é nas outras religiões, mas ser católico não é nem um pouco cômodo. Para começar, você sabe que existe o risco de passar a eternidade no inferno, o que faz com que você pense, muitas vezes mais do que gostaria, que tudo seria mais fácil se simplesmente sumisse na hora de morrer, ou fosse absorvido na energia cósmica, o que obviamente dá na mesma. Esse risco sempre parece grande, afinal Jesus disse que teremos que prestar contas por cada palavra, e eu mal consigo me lembrar do que disse ontem. Você na verdade quer ficar na sua poltrona lendo Middlemarch e se achando profundo; porém, a religião espera não que você se torne um sujeito ilustrado e interessante, mas que vá fazer coisas que, na sua versão mais leve e básica, incluem tolerar com um sorriso as pessoas que acha mais insuportáveis, e tratá-las com a máxima deferência. Por fazer isso ninguém vai te aplaudir, exceto Deus, e você não vai ouvir o aplauso até morrer, e tem que ter fé. Se você pedir um aplauso e se gabar da sua bondade, peca por vaidade – e, mesmo assim, admitamos que pessoas que ficam se gabando de seus pequenos atos de virtude são, no mínimo, extremamente vulgares. Como cereja do bolo, você está vivo em pleno século XXI, mora no Brasil e tem que ser capaz de sublimar isto e entender que não, não existe reencarnação e você não foi Jack, o Estripador e portanto está sendo punido. Às vezes – quem disse que não? – você pensa que talvez esteja completamente errado e não exista nada transcendente, e é fácil se sentir assim olhando para uma foto da Esplanada dos Ministérios (Deus me livre e guarde da cidade dos Jetsons). E por cima da cereja, sendo católico, tem que ir à missa, que é para você a coisa mais sublime, mais misteriosa, e ver um padre falando palavras vazias sobre a Amazônia. Neste momento, é claro, você entende que o Espírito Santo está com a Igreja porque apesar disto ela sobrevive; mas você lamenta, homem de carne que é, não obter o consolo sensível que espera na presença do sacramento, e espera que sua alma imortal o tenha aproveitado. Para ser católico é preciso ser muito macho e não deixar que a sua justa demanda estética (sim, a Igreja tem um tesouro litúrgico e você tem direito a ele) se torne mais importante do que e demanda ética, de agir sempre diante da Verdade (não é por causa da CNBB que Igreja deixa de ser a Igreja). Você precisa ser macho e não deixar a sua indignação justa tomar conta da sua alma e se transformar numa paródia grotesca de ira santa. Você precisa ser humilde e é muito difícil. O risco de não ser é o inferno. E eu não sei mesmo se ser ateu é fácil, mas duvido que seja mais difícil que ser católico e ter medo do inferno.
2 respostas para “Ser religioso é muito mais difícil que ser ateu”
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