Três verdades sob três aspectos

Ontem um amigo se aproximou de mim e perguntou o que eu achava do que ele tinha lido em algum lugar: que há três posturas filosóficas básicas. Primeira, você crê que a realidade é maior do que a mente ou a capacidade de conhecimento do intelecto. Segunda, você crê que há um acordo entre os dois. Terceira, que a mente é maior do que a realidade exterior, que o “mundo”.

Pois eu penso que as três proposições podem ser verdadeiras, sob aspectos diferentes – o que garante que elas não se excluam entre si. Primeiro, o próprio São Tomás já ensinava que as “essências”, ou o ato de ser das coisas (não a forma ou idéia em sentido platônico) é inapreensível, por contar com um número indefinido de determinações possíveis. Não posso conhecer toda a história pregressa e futura dos objetos, e nesse sentido a realidade exterior à mente é maior do que ela. No entanto, há um aspecto das coisas perfeitamente apreensível, que é sua definição em termos de gênero próximo e diferença específica. Com a definição, posso distinguir perfeitamente uma classe de objetos de todas as demais, e com um outro acréscimo posso até distinguir um objeto individual dentro de sua classe; assim, há um acordo entre mente e mundo. Por fim, posso admitir que a minha capacidade de imaginação excede em muito a realidade que conheço; não apenas posso conceber dragões e outros seres fantásticos como posso imaginar-me pobre ou milionário.

O que não posso é supor que minhas experiências imaginativas, por serem muito mais variadas (tanto em quantidade como em qualidade) do que minhas experiências, digamos, “físicas”, sirvam como pretexto para eu pressupor uma onipotência mental: imediatamente penso em Nietzsche, inventor do super-homem, morrendo abraçado a um jumento. Qualquer mendigo pode se julgar Napoleão Bonaparte. Também não posso supor que o acordo possível entre mente e mundo é um acordo universal, que permitiria o conhecimento total da realidade em todos os seus aspectos. O exemplo aqui é Isaac Newton, que supunha que bastava conhecer algumas informações sobre todas as partículas do universo num determinado instante para poder prever todo o futuro. E também não posso crer que, se algumas determinações da realidade me escapam, todas vão escapar: o conhecimento humano é provisório e imperfeito como o próprio ser humano.

É desta provisoriedade que aparentemente nos ressentimos tanto. Não me sinto à vontade para falar de “nós”, mas ao menos em mim há um desejo por verdades definitivas, perenes, perpétuas. É difícil aceitar que é preciso levar em conta particularidades quase o tempo todo; mais confortável seria poder me ater sempre a proposições infalíveis, mas estas são em número muito escasso. Mas por causa da honestidade não é possível querer abolir esta “sabedoria prática” que vai nos indicar quando é melhor assumir uma ou outra postura.

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