Publicado originalmente no site do Instituto Millenium.
Se você possui um bem, o Estado tem o direito de fazer com que você o utilize de modo contrário à sua consciência? Suponha que você tem uma loja. Você não acha que tem o direito de vender nela só aquilo que quiser? Se você fosse judeu, e tivesse uma livraria, venderia Mein Kampf ou os Protocolos dos Sábios de Sião? Agora imagine que o governo, em nome da liberdade de expressão e da pluralidade, quisesse que você, livreiro judeu, desse espaço para o anti-semitismo. Terrível, não? Faria com que você suspeitasse de simpatias nazistas dentro do governo. No mínimo, você teria certeza de uma inclinação para o totalitarismo.
Agora, pensemos em outra coisa. Nos EUA, a rede Wal-Mart, a maior empregadora do mundo, decidiu não vender a revista Maxim, que traz fotografias de dadivosas senhoritas. Ninguém estranhou nem reclamou, sabendo que o Wal-Mart está sediado no coração religioso e conservador dos EUA, no interior do Arkansas (curiosamente, o mesmo estado que deu ao mundo Bill Clinton). Os editores de Maxim talvez quisessem vender as revistas ali, mas entenderam que é direito do Wal-Mart escolher o que vende. Do mesmo modo, o Wal-Mart não tentou impedir a venda da revista em outros lugares: o que há é um direito de se comprar e vender a revista Maxim, não a obrigação – exatamente como o livreiro judeu tem a liberdade, baseada na sua propriedade, de decidir o que vai vender.
Pois bem. O Wal-Mart tinha decidido não vender o produto Preven, conhecido como “pílula do dia seguinte”. (Tenho dificuldade de chamar o produto de medicamento porque, enfim, a gravidez não é uma doença.) Baseado em sua orientação religiosa, é um direito que lhe assiste, para usar o clichê. Mas o estado americano de Massachussets recentemente obrigou o Wal-Mart a vender o produto, interferindo em questões de consciência e agindo de uma maneira tão absurda quanto seria o governo da Dinamarca decidir o que deve ser publicado nos jornais do país.
Sim, eu sou contra o produto Preven, e faria o mesmo se fosse dono do Wal-Mart. Mas meu argumento não se baseia na minha religião, e sim na minha firme crença no direito de propriedade e na liberdade. Assim como o dono da mercearia pode decidir só vender caramelos verdes, ou o dono do cinema pode decidir só exibir filmes pornográficos, também o Wal-Mart pode vender ou não vender o que bem quiser. Ainda que o Wal-Mart venha a ser a farmácia mais próxima de uma região relativamente deserta, isso não o obriga a vender produtos que não apenas não deseja vender como não envolvem nenhum dilema moral: uma gravidez não é o equivalente de uma doença. Não se está sonegando nada de essencial; não se trata de dar um remédio a quem precisa e nem pão a quem tem fome.