Ananda Coomaraswamy, Christian and Oriental Philosophy of Art
(Não deixe de ler, no site da Amazon, a primeira resenha do livro)
Muita gente acha que eu intitular a série de posts “Minha formação” é pedantismo. Depois sou eu que não tenho senso de humor, mas vá lá. As pessoas costumam pensar que eu sou uma pessoa rígida e mal-humorada; acho, porém, que sou mais galhofeiro do que pareço. Mas chega de falar de mim mesmo, que não sou um blogueiro de esquerda que fica publicando as próprias idiossincrasias enquanto os espectadores do Big Brother se deliciam.
Interrompi os escritos sobre a série de livros por pura e simples falta de vontade de voltar ao assunto. Uma das boas coisas de ser editor e autor é que não sou obrigado a entregar textos no prazo. Miraculosamente, a audiência do site permanece estável.
Um livro que tem voltado muito à minha cabeça é Christian and Oriental Philosophy of Art, de Ananda Coomaraswamy. Traduzi metade do livro e em 2007, quando se completarem os 60 anos da morte do autor, pretendo disponibilizar o que fiz na internet.
Coomaraswamy precisa ser lido com várias reservas. Suas idéias não fazem sentido fora de uma concepção de “sociedade tradicional” dividida formal ou informalmente em castas, com um Estado forte. Além disso, ainda que eu não saiba se ele aderiu à tese guénoniana da supra-religião escondida no Tibet, certamente partilhava da idéia de que no mundo há diversas “tradições” iguais em valor.
Dois de seus argumentos, porém, são válidos e perfeitos. O primeiro diz respeito à suposta “inutilidade” da arte. Coomaraswamy entende que não há distinção de valor entre o sapateiro e o poeta, entre o engenheiro e o músico, e entende arte como “o modo correto de fazer as coisas”. A definição me parece perfeita: afinal, um poema bom foi feito do modo correto, e tem um determinado efeito sobre a alma, assim como um avião bem feito nos transporta de um lugar a outro. Os romances, filmes e músicas que ouvimos têm todos um efeito sobre nós; a maestria dos romancistas, cineastas e músicos está em sua capacidade de provocar o efeito que desejam. Este efeito, claro, pode variar imensamente: pode ser só a transmissão de um sentimento, a criação da motivação para uma determinada ação, ou a simples contemplação de algo – sim, a arte representativa pode ter uma função claramente didática. Não entendo por que pode ser bonito para alguém admitir que aprendeu tal coisa lendo um poema, um romance etc mas não é bonito para o escritor dizer que pretendeu ensinar algo. E, mesmo que a obra de arte apenas divirta, isto continua sendo uma finalidade (haveria outra finalidade na comédia?): gente burra se diverte rebolando, gente inteligente se diverte lendo Camões. Se a obra que pretende divertir não diverte, falta-lhe… arte.
O outro argumento importante de Coomaraswamy diz respeito à dignidade dos trabalhadores. Se há uma grande perversão na produção em massa, é a divisão entre atividades intelectuais e meramente servis. Se uma estilista desenha uma roupa e várias costureiras a reproduzem, a primeira tem atividade intelectual, livre, e as segundas uma atividade servil, determinada. Aquela é uma artista; estas, meras operárias. Não estou propondo que todo o modo de produção capitalista seja abandonado (porque isso realmente não vai acontecer), mas parece forçoso admitir que a famosa “massificação”, entendida no sentido de “estupidificação da cultura popular” se deve antes à massificação do modo de trabalho, que não exige do indivíduo esforço intelectual, do que à massificação dos produtos mesmos, ainda que uma coisa suceda imediatamente a outra. Afinal, há pessoas inteligentes ou excêntricas que adoram produtos de massa, como a sublime Coca-Cola, mas não há pessoas que nunca pensam em nada que continuem sendo inteligentes – o que não quer dizer que o simples pensar seja garantia, já que é possível pensar muito e só pensar besteira (vide blogueiros de esquerda). A necessidade de produzir algo bom, perfeito – a obra-prima – acaba ajustando a inteligência, que pode ser comparada a um músculo não apenas por necessitar ser trabalhada, mas por necessitar ser trabalhada de um modo adequado.