Os gestos heróicos de antanho esperam ainda seu cantor

O século XVI no Brasil não teve – pode-se dizer que lhe falta em toda a literatura, pois o indianismo do século XIX não foi senão uma convenção poética enxertada sobre uma ruptura política – um poeta da terra, que tivesse exprimido, com toda a sinceridade d’alma, a paixão da luta da cultura contra a natureza, luta que constituiu a trama bem unida da história inicial do país. Não que a metrópole, de que a colônia não era senão o prolongamento moral, fosse desprovida de desenvolvimento intelectual. Este era, ao contrário, intenso. Este século foi mesmo a bela época literária de Portugal, o século em que, com Camões, a poesia se elevou até a fusão, admirável de graça, da tradição católica da idade média com a renascença pagã, em que a prosa adquiriu, com João e Barros, uma amplitude e um esplendor que denunciavam já o comércio com os tesouros fabulosos do Oriente. Mas além-mar a atmosfera era, por assim dizer, composta de elementos diferentes, e aqueles que se habituavam a respirá-la abandonavam, pouco a pouco, todo contato físico e moral com aquilo que havia outrora constituído seu ambiente, e perdiam até a recordação dela.

O fato é que os gestos heróicos de antanho esperam ainda seu cantor. Os índios foram idealizados pelo romantismo à busca de almas altaneiras. Os africanos acharam defensores nos soberbos idealistas, mas os valentes pioneiros da raça conquistadora, que tinham decerto a estatura épica, não mereceram ainda absolutamente uma semelhante simpatia literária, posto que Lamartine, no seu Entreténs sur la littérature, tivesse sonhado com novos Lusíadas, composto além-mar, nessa língua portuguesa, mais latina, dizia ele, e mais bela que a espanhola.

LIMA, Oliveira. Formação histórica da nacionalidade brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks; São Paulo: Publifolha, 2000.

*Com agradecimento a Remo Mannarino pela sugestão do trecho.

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