Com anos de atraso, assisti a The Cider House Rules, conhecido no Brasil como Regras da Vida (por que os títulos sempre são adaptados ao maior clichê possível?). Todos sabem que é um filme de aborto. Eu também sabia, quando aluguei. O que eu esperava era um filme tenso como a expressão de uma feminista histérica que está tentando se comportar, e assisti mais pela curiosidade em relação ao “outro lado” do que pelo desejo de entretenimento.
Bem. O filme é mais uma história de iniciação satânica. Homer Wells é um órfão que aprende com o médico que dirige o orfanato a fazer partos e abortos, mas se recusa a realizar estes. Ponto para ele. Um belo dia, decide sair do orfanato e “ver o mundo”, no que é ajudado por um jovem da aeronáutica que tinha levado a namorada para fazer um aborto. O militar dá a Homer sua amizade, e um emprego de colhedor de maçãs. Enquanto ele luta na Segunda Guerra no Japão, Homer retribui conhecendo biblicamente sua namorada, a imitação de boa atriz Charlize Theron.
No pomar que é seu “mundo”, Homer colhe maçãs com um grupo de colhedores profissionais. Na segunda colheita, a filha do colhedor-chefe (tenho certeza de que há uma palavra melhor; desculpem-me por ser tão urbano) aparece grávida dele; sim, grávida do próprio pai. É aí que Homer liberta o abortista que há em si e “ajuda” a moça. E antes que digam, com razão, que estar grávida do próprio pai é um horror inominável, aviso que nem por isso o bebê precisava ser morto, porque não devemos penalizar outro pelos pecados de um. Existem momentos, sobretudo os mais difíceis, em que precisamos escolher entre passar adiante o mal que recebemos (transformando um estupro incestuoso num assassinato, por exemplo) ou simplesmente agüentá-lo. E se você admitir que não tem forças para agüentar o mal sozinho, Cristo irá te ajudar.
O mundo apresentado pelo filme é o mundo da necessidade, a que não adianta resistir. A relação entre Homer e a namorada do amigo é uma necessidade, porque ela “não conseque ficar sozinha”. O aborto é uma necessidade, porque o filho vem de um ato terrível, ou porque trazer uma criança a este mundo mau é algo terrível. O diretor apresenta um olhar amoroso sobre todos os personagens: o abortista-chefe, que também cuida dos órfãos; Homer, que não poderia resistir aos encantos da moça e ao chamado do ofício. Apenas o pai que força a filha a conceder seus favores sexuais é visto com a cara meio torta, mas até ele recebe a oportunidade de se redimir através… do suicídio. Só não faltou um discurso dele dizendo que a filha era mui lindinha e irresistível porque o próprio diretor já tinha justificado todos os personagens como prisioneiros da necessidade.