O anônimo Smart Shade of Blue sugere que é errado que a Igreja pressione as autoridades. O problema, para ele, não está na parte de pressionar as autoridades, mas na parte da Igreja. Fosse o MST, o movimentos gays ou qualquer movimento de sua preferência a pressionar (sem duplos sentidos), não haveria problema nenhum. E vejamos que o exemplo que oferece é uma temível… carta. Uma carta elaborada pela CNBB condenando a distribuição de camisinhas pelo governo. Não vou nem entrar no assunto de ser ou não competência do governo distribuir camisinhas; não sei porque o meu dinheiro tem que sustentar o carnaval alheio. Também não sei, sinceramente, porque não dizem que a distribuição de camisinhas pelo governo não passa de lobby dos empresários de camisinhas, que são, sob qualquer aspecto, quem mais lucra com a venda delas.
O que interessa, agora, é apenas observar que uma carta é um meio legal, legítimo, de fazer protesto, e nela não há qualquer “união” entre Igreja e Estado. Depois da queda do Império Romano, é verdade que um passou a fazer parte da outra; coube a uma parte da Igreja uma parte do poder judiciário e do executivo, e ela mesma ganhou poder de polícia com a Inquisição. Devo admitir, a este propósito, minhas simpatias pombalinas; uma Igreja com poder de polícia não pode dar certo, porque é mais próprio do poder sacerdotal operar pela persuasão do que pela força física, característica definidora do poder estatal. Redigir cartas, falar dos púlpitos, tudo isto faz parte da persuasão. Excomunhão não é cadeia, cara feia do bispo não é coronhada, reclamação de padre não dá multa.
Na verdade, ao defender a idéia de que a Igreja se organize na forma de um partido político e concorra às eleições, SSoB talvez não perceba que aceitaria uma teocracia, desde que esta fosse eleita pelo voto direto e não imposta por uma elite guerreira (a mesma coisa que “vanguarda revolucionária”). Eu sei que muitos de meus colegas cristãos acham que a teocracia é uma conseqüência inevitável da doutrina cristã, mas eu sempre ouço São Paulo dizendo que devemos respeitar as autoridades constituídas (isto é, mesmo que elas não sejam cristãs) e São Tomás dizendo que basta uma lei não ser absurda e contrária à moral ou à natureza para ser legítima. Portanto, basta um Estado sem coisas estapafúrdias e sem perseguição à Igreja para que eu esteja satisfeito.
O ponto que parece escapar principalmente a SSoB é que existem poderes de naturezas diferentes, e a melhor coisa para a sociedade como um todo é que estes jamais sejam absorvidos por um só deles. Muitos reclamam do poder econômico, e com alguma razão: em nome de se ganhar dinheiro, pratica-se o mal moral. Cabe ao poder sacerdotal condená-lo e ao poder estatal coibi-lo quando houver dano para a vida ou a propriedade de alguém. Do mesmo modo, o poder estatal impede que alguma igreja inflija punições que não morais a seus membros, e é nesta tensão e nos arranjos temporários que a vida acontece. Portanto, se a Igreja persuadiu o Estado a não distribuir camisinhas, sem infringir nenhuma lei, apenas agiu enquanto poder sacerdotal. Se, por outro lado, SSoB só reconhece como válido o poder político, já vemos aí um sinal de totalitarismo, pois este nada mais é do que a absorção de todos os poderes no Estado; e se considera tão importante assim o voto da maioria, não custa lembrar que Hitler foi legitimamente eleito pelo povo alemão. Este exemplo não fica como uma rejeição tácita de democracia representativa, mas apenas como uma recomendação de prudência, a virtude mais própria para assuntos de governo.
A única questão que parece ainda irresolvida nesta minha argumentação seria a do ensino religioso nas escolas públicas. A isto, digo o seguinte: enquanto houver ensino estatal, prefiro que seja católico porque eu sou católico; mas se me perguntarem o que eu prefiro mesmo, digo que é a absoluta inexistência de qualquer espécie de educação fornecida ou regulamentada pelo Estado.