Um programa sobre livros

Volta e meia assisto a um programa na TV francesa cujo nome ignoro. É um programa sobre livros, apresentado por um sujeito de óculos cool que é uma versão ágil do Pedro Bial. Além dele, há debatedores de perfis variados, mas todos membros da “classe média intelectual”, isto é, nenhum deles utiliza termos técnicos, no máximo termos acadêmicos já tornados populares. Não são burros, mas tendem naturalmente à esquerda, como se esperaria de franceses – é impressionante que seja preciso ver programas estrangeiros para perceber que esquerda e inteligêcia não são coisas absolutamente antagônicas.

Duas coisas chamam a atenção no programa. Primeiro, ele é sobre livros. Não um livro por programa; eu só assisti a 35 minutos e vi três livros sendo discutidos, todos com a presença do autor – no caso do primeiro, o “autor” era o homem que descobriu um manuscrito inédito de Alexandre Dumas na Biblioteca Nacional Francesa, editou-o e terminou-o. O segundo livro, Géneration 69, era de dois jornalistas falando da própria geração. O terceiro era de uma atriz que passou para trás das câmeras. Ok, não havia nenhuma coletânea de questões disputadas na Idade Média, nem nada do catálogo da Belles-Lettres, mas eram livros, recheados de argumentos. Creio que até poucos anos isto não seria possível no Brasil, mas hoje é. Parece haver uma febre de leitura; os blogs aumentaram a classe falante, que não quer passar por “inculta”, e sua idéia de cultura é exatamente esta – autores da moda e lançamentos. Nada de questões disputadas, nada do catálogo da Belles-Lettres.

A segunda coisa é a agilidade mental dos debatedores e sua capacidade de argumentação. Os jornalistas do Genération 69 não receberam um monte de elogios, nem “ganharam um espaço para falar do livro”. Sem perder o sorriso, o que os debatedores fizeram com eles teria sido considerado um traumatizante massacre verbal no Brasil. Mas não os escracharam, como muitas vezes faz o Jô Soares (cujo interesse me escapa absolutamente). Nisto residiu o grande interesse do programa – em um autor não ser convidado só para sorrir e falar banalidades, mas efetivamente ter que se defender. Aqui no Brasil, onde a idéia de velhinhas jogando cartas e tomando chá representa o ideal sublime da civilidade, isto seria impensável, seria considerado no mínimo uma descortesia. Um programa como este no Brasil acabaria sendo chato porque o apresentador falaria devagar e cortadamente; o autor falaria devagar e gaguejaria; os debatedores apenas fariam carinhas de indignados e começariam suas frases em tom humilde, dizendo “respeito muito o seu trabalho, mas acho que o Sr. está equivocado em pensar assim”, tentanto conter ao máximo a deselegância de… discordar.

Vai dizer que vocês mesmos não gostariam que o Brasil deixasse o bom-mocismo de lado, crescesse um pouco, aprendesse que a crítica não tem nada de pessoal, e tivéssemos na TV um programa em que gente francamente em desacordo fosse posta para discutir, e não sobre abobrinhas?

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