Começando a falar da transição papal

Para a minha geração, uma coisa sempre foi imutável: Papa = João Paulo II. Aliás, a idéia de “Papa” era para mim tão igual à idéia de “João Paulo II” que eu nunca acreditei que ele fosse morrer. Todas as vezes em que ia para o hospital, eu pensava: “Nah, ele volta.” Mas no último mês, da primeira vez em que foi internado, senti que ele era tão mortal quanto todos nós, e que o que quer que Deus esperasse dele neste mundo teria um fim. Mas achei, confesso, que sua agonia demoraria mais, porque o velho Papa sempre fora duro na queda. Depois de ter passado aquela sexta-feira apertando “refresh” no site da CNN, no início da tarde de sábado eu decidira retomar meus costumeiramente atrasados trabalhos. Foi então que o Papa morreu. Esperei que sua morte fosse marcada por algum grande sinal; senti o tempo teso, senti que realmente alguma coisa terminava com a morte de João Paulo II. Talvez tenha sido só a minha juventude – logo completo 28 anos – mas talvez tenha sido algo muito maior e mais relevante.

Talvez ele fosse mesmo a pessoa mais carismática do mundo. Talvez muito do seu carisma fosse apenas a natural reverência que sentimos em relação ao seu cargo. Talvez ele fosse realmente um santo. O que eu sei é que a sua presença inspirava algo muito simples, ainda que raro: felicidade e certeza. Fui vê-lo duas vezes, uma no Giants Stadium, em New Jersey (quando morava nos EUA); e outra no Maracanã, aqui no Rio de Janeiro. Se o seu lema era mesmo “não tenham medo”, ele certamente nos dava segurança. Segurança de que se ele ligasse alguma coisa aqui na terra ela realmente seria ligada na céu. Podemos professar isto, mas olhar para alguém e sentir esta certeza… É outra coisa.

Mais tarde, eu passei a odiar João Paulo II. Por ele ter feito o Encontro de Assis. Por ter excomungado o Monsenhor Lefèbvre, enquanto os Bettos e Boffs andam livres por aí. Por falar tanto em unidade da Igreja, mas marginalizar a ala mais inocente de todas. Para falar a verdade, isto ainda dói. Mas há muitos meses eu não conseguia mais odiá-lo, e passei a me arrepender seriamente de tudo o que já tinha publicado contra si. Por que ele fez isso, por que não fez aquilo? Não sei. Mas achar que eu um dia pude julgar o Sumo Pontífice foi uma presunção sem tamanho, e não há nada que eu possa fazer além de ofertar minhas desculpas públicas, acompanhadas de preces por sua alma.

Nas últimas semanas, eu tentava pensar nas coisas que ele agüentaria, sendo Papa. Resistir às “pressões do mundo” tem um significado muito diferente para quem é um cidadão privado e para quem é Papa. Resistir a estas pressões sendo Papa e muito doente – há um verdadeiro heroísmo aí. E acredito que João Paulo II não se deixou levar pelas doenças porque sabia de algo no plano sobrenatural (ou mesmo natural), algo que o dizia para permanecer neste mundo a qualquer custo. Pelos frutos os conhecereis: sua resistência fortaleceu imensamente a imagem pública da Igreja Católica, trouxe multidões inesperadas a Roma, fez com que diversos líderes se ajoelhassem diante de seu cadáver e, clichê dos clichês, pusessem de lado por um minuto as desavenças. A impressão foi de que a Igreja Católica era a organização mais poderosa do mundo, ou de que algo de miraculoso realmente acontecia. Arnaldo Jabor, campeão de ranhetice, elogiou João Paulo II. Várias pessoas que jamais foram vistas completando um silogismo perceberam que a doutrina cristã sempre foi relativamente estável e que uma das funções do Papa era mantê-la deste jeito. Parece que somente aqueles que sofrem de alguma loucura, ignorância ou maldade pertinaz tripudiaram do Santo Padre logo após a sua morte. Em suma, o bem que havia veio à tona, e o Cristianismo consiste, entre outras coisas, em conseguir dialogar justamente com esta parte de bem.

Descanse em paz, João Paulo II.

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