Acho que muita gente tem a mesma impressão que eu: o volume do falatório a respeito de sexo na imprensa e em livros é inversamente proporcional à quantidade e sobretudo à qualidade do sexo que é feito. Se tomarmos a parte da qualidade, temos uma analogia com a situação atual da poesia: nunca houve tantas oficinas literárias, tantas pessoas que desejam ser escritores (e Auden se perguntava por que alguém que não sabe o que fazer da vida invariavelmente decide se tornar escritor, em vez de médico ou advogado); nunca, em toda a minha vida, ouvi tantas vezes a frase “ele/ela é poeta” ao ser apresentado a uma pessoa, mas o que essas pessoas escrevem varia entre o tétrico e o tenebroso, sendo seu principal tema a própria poesia – ou, para usar seu próprio linguajar – o “fazer poético”. O segundo tema mais recorrente, certamente não por acaso, é sexo. Sabe lá Deus porque a descrição de partes pudendas, desejos e atos libidinosos em palavras que acabam antes da margem é tão importante para tantas pessoas; mas eu não estou nem aí, também. O que me interessa aqui é avaliar porque os noviços do Parnaso escrevem tanto sobre a própria poesia e como isto diminui a qualidade de suas obras.
Em Fundamentos antropológicos da psicoterapia, Viktor Frankl expõe duas teorias para explicar a frigidez, a hiper-reflexão e a hiper-intenção. No caso da primeira, o orgasmo não é atingido porque o sexo se torna objeto de excessiva reflexão, que acaba exercendo um efeito paralisante. No caso da segunda, o orgasmo não é atingido porque é desejado como um bem em si mesmo, quando na verdade é apenas uma decorrência do desejo que se sente pela outra pessoa e do ato sexual que é a expressão desse desejo. Do mesmo modo, na obra de arte, a beleza é atingida não por ser buscada em si, mas porque se deseja fazer justiça a um determinado objeto a partir de um material – no caso da poesia, as palavras. Mesmo nos poemas mais “estetistas”, como On seeing the Elgin Marbles for the first time ou o Torso arcaico de Apolo (vá um pouco para baixo para ver), a beleza surge como o efeito da nitidez com que os assuntos são tratados: as impressões de Keats sobre os mármores do Partenon, a estátua de Apolo vista por Rilke. A justiça corresponde, no plano do objeto, à sinceridade no plano do sujeito.
Ok, mas e a “poesia pura” de gente como Eliot? Vou falar de Eliot só porque é o exemplo que conheço. Não conheço bem Mallarmé para poder falar, mas aviso que acho a idéia de “arte pela arte” de uma imbecilidade atroz, o que explicarei futuramente. Bem, mesmo que tenhamos um poema cujo compromisso é antes com sua própria forma do que com um determinado assunto, basta lembrar que, até um certo ponto, a autoconsciência escancarada não configura “hiperintencionalidade poética”. Um poema como The waste land pode ser um poço de referências, mas justamente por isso é que nele não apenas a poesia considerada como experiência individual é considerada, e sim grande parte da história cultural do ocidente. Uma coisa, enfim, é fazer colagens e testar ritmos; outra é “desconstruir a linguagem” apenas separando radicais e brincando com homonímias – o que não requer nenhum talento especial.
Assim, falta aos aspirantes a poetas hoje a seguinte reflexão: “por que este poema é bom? Por que eu gosto dele?” Aparentemente eles gostam da sensação que um certo poema lhes causa, e tentam repeti-la, aumentá-la etc; mas, como na hiper-intenção; e podemos falar muito sobre o orgasmo, mas para produzirmos um os métodos são inteiramente diversos. Se levassem a sério o questionamento, veriam que um poema é bom por causa de certas qualidades prosódicas (como metro, ritmo, rima), por causa da perfeição de certas imagens, e sobretudo por causa da adequação entre forma e conteúdo.
Por fim, a inspiração que o poeta sente corresponde, de certo modo, ao efeito final no leitor; o trabalho – a “transpiração” da famosa frase, atribuída a poetas tão distintos – no poema mesmo, enquanto objeto de linguagem, corresponde ao canal de transmissão dessa inspiração. Se nem para coisas banais como “traga-me por favor uma lata de coca-cola e não de guaraná” eu sou capaz de adivinhar a mensagem a menos que ela me seja transmitida claramente, quanto mais no caso da inspiração poética. E mais: se o poeta quer apontar para algo que em si é contraditório ou problemático, isto não quer dizer que seu poema possa ser também contraditório ou problemático, ainda que, naturalmente, não vá ser um objeto perfeito, a perfeição sendo um atributo exclusivamente divino. Mas o poeta precisa ter – mais uma vez – sinceridade para admitir qual é o problema que o aflige, e capacidade para expressá-lo de uma vez; vide como exemplo quase todos os poemas barrocos.
Assim, falta aos aspirantes a poetas que assumam a poesia como ofício, que se disponham a escrever sobre qualquer tema, que assumam o compromisso de produzir obras interessantes, em vez de ficar obcecados com o próprio umbigo e esperando pela inspiração. Não realizar este trabalho corresponde a, em termos bíblicos, não “vigiar”; e pode ser que, quando a musa bater à porta, encontre uma pessoa incapaz de avisar aos outros que a musa chegou.