A pirracinha do Oswald

No Manifesto Antropófago Oswald de Andrade escreveu: “Contra o Padre Vieira.” Sinto muito gosto em ver que qualquer livraria do Brasil tem pelo menos aquela volumosa seleção dos sermões do Padre Vieira, quando não os vários volumes de suas obras completas. Hoje Vieira é lido como um mestre universal. Já Oswald, bem, acho que seus livros só voltaram ao catálogo recentemente, pela Globo. E ninguém lê. Só os coitados dos estudantes que vão fazer vestibular e alguns poucos em faculdades de Letras. Na UFRJ e na PUC, poucos mesmo.

Acho impressionante que ninguém tenha dito publicamente que a “antropofagia” não passa de uma nova palavra para uma velha coisa: influência. Culturas sempre foram influenciadas por outras culturas. A Europa (cristã ou paganizada) não teve, então, uma atitude “antropófaga” em relação ao mundo clássico? Não o absorveu e transformou? O romantismo inglês não tem sua dívida com o Sturm und Drang alemão? E o Portugal romântico, não leu Byron e Shelley? Geoffrey Hill não está embebido de barroco espanhol? Eliot não leu Apollinaire e os simbolistas franceses?

Só há uma diferença real da “antropofagia” para a influência: o ponto de partida. Se Oswald aceitasse que há uma simples e natural influência da Europa sobre o Brasil, não teria sequer escrito o Manifesto; mas, se o escreveu, foi porque queria recusar a civilização e definir-se como um antropófago. Se ele efetivamente comesse alguém, teria o meu respeito. Como não comeu, sabemos que não passa de mais uma pirraça terceiro-mundista.

E viva o Padre Vieira.

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