Não digo que seja freqüente, mas também não é incomum eu receber e-mails pedindo dicas de como estudar. A verdade é a seguinte: eu não tenho nenhuma. Eu não tenho nem uma boa poltrona de leitura. Nos últimos anos, li muita coisa no computador, no metrô, e durante as refeições.
Também me pedem dicas a respeito dos assuntos a estudar. Aí eu só tenho uma dica a dar: estude aquilo que te interessa. Isso eu digo porque nunca tive amor pelo ato de estudar em si, mas porque sempre tive interesse por assuntos ou questões específicas. Por exemplo, quando li Viktor Frankl, li porque a questão do sentido da vida me pressionava enormemente. Se eu não conseguisse articular uma resposta a respeito, sentia que não conseguiria viver. Quando li São Tomás, queria entender a natureza dos pecados e a corrupção da alma humana, para testar a minha convicção na minha própria bondade intrínseca (ou seja, queria uma bela razão filosófica para deixar de ser sonso). Quando li Ananda Coomaraswamy, a questão da necessidade e da utilidade das obras de arte era vital. O meu interesse por todos os autores que li foi precedido pelo interesse em alguma questão específica; e, no caso dos poetas, por alguma questão específica relacionada à linguagem, como por exemplo: “é possível falar de coisas sublimes reproduzindo a fala de uma certa classe social?”
Por isso, se você quer estudar, lembre que estudar é um verbo transitivo; quem estuda, estuda alguma coisa. Descubra que coisa é essa que te interessa e tente descobrir quais foram os autores que trataram deste assunto. Normalmente os autores antigos são mais claros, mais “antropocêntricos” e muito menos viajantes, mas há modernos geniais também, claro.
No meio do estudo de uma questão você vai freqüentemente se deparar com outras questões igualmente vitais, e vai ter que dar uma parada no estudo principal para entender um outro ponto. Por exemplo: meus estudos astrológicos começaram com uma certo sistema de analogias entre os sete planetas e as sete faculdades da alma humana tal como descritas por Aristóteles e São Tomás. Isto me obrigou a entender as sete faculdades primeiro, como objetos distintos. Então percebi, durante o estudo dos intelectos agente e paciente (ou “possível), que havia a seguinte questão: será que o intelecto apreende imediatamente a forma de cada ente, ou precisa do trabalho de abstração das notas sensíveis para recuperar essa forma? A resposta tem profundas implicações filosóficas e até mesmo religiosas. Fico, sem dúvida, com a segunda opção. Mas o que importa é: eu queria apenas compreender uma certa analogia, e isto me levou a uma questão importante sobre a própria natureza humana, cuja resposta alteraria minha postura em relação a praticamente todos os assuntos que eu viesse a estudar.
Enfim: sou movido a estudar certos assuntos por uma necessidade física, pela sensação de que a vida, ou pelo menos parte dela, está suspensa enquanto a resposta não é obtida. Platão falava em “verdade conhecida, verdade obedecida”; é preciso conhecer para saber o que obedecer. Mas acho que essa atitude é muito determinada pelo temperamento da pessoa, e que outras pessoas podem ter atitudes muito mais tranqüilas em relação ao conhecimento – como aliás parece ter sido o caso de Aristóteles e São Tomás, que escrevem com grande tranqüilidade.