Nossas vidas pessoais têm seus gigantescos desastres, seus impactos de absurdo. Um amor perdido, a morte de alguém, qualquer espécie de decepção inesperada. Demorando muito, ou pouco, quase sempre nos recuperamos, e podemos dizer a nós mesmos: “então me aconteceu aquilo, e aquilo me modificou desta maneira, e eu aprendi tal coisa, ou adotei determinada atitude”. Podemos nos arrepender, nos achar idiotas, ou podemos até achar que fizemos a coisa certa na hora do absurdo. O importante, enfim, é que podemos sempre integrar os acontecimentos na nossa psique, se tivermos forças – e Deus sempre nos dá forças para suportar as cruzes que aparecem, de onde se segue que o pessimismo, o cinismo e a amargura são apenas formas mais ou menos sofisticadas de fraqueza e covardia.
Ao dizer isso, eu pareço aos olhos dos leitores mais benevolentes um grande homem cheio de fé, ou um moleque autoritário, “que nunca sofreu na vida”. Bem, sofri e sofro, mas seria ridículo ficar apresentando publicamente minhas credenciais de sofredor. Sei bem que o mais comum é ter que fazer muita força para não aderir ao pessimismo, e mais força ainda para, diante do mal, não se sentir um santo ultrajado, e assumir sua própria parcela de culpa. Tudo isto é difícil, e não posso dizer que sempre consigo – a convicção das minhas palavras é mais um traço do meu temperamento, creio.
Mas, voltando, se a integração psíquica do absurdo pessoal é possível, ainda que penosa, fica a questão, que já levantei várias vezes aqui: como integrar o absurdo coletivo? Como integrar o terrorismo? Como falar do 11 de setembro em Nova Iorque, do 11 de março em Madrid, do massacre
na escola russa? Como alguém, um civil em uma guerra, pode dizer para si mesmo que uma bomba caiu do céu em sua casa? A dessensibilização e o não-reconhecimento da magnitude destes fatos pode ser uma estratégia biológica necessária para a sobrevivência, mas isto não elimina o fato de que eles aconteceram. Só ficam, como sempre, as polite meaningless words, o vazio, a vergonha da própria vulnerabilidade desnudada, a sensação de que o Mal quebrou as regras – e por alguma ingenuidade também necessária ao bom funcionamento da alma parece que nunca achamos que o Mal pode ser tão mau. Nem todos entre nós nasceram para ter a alma de padres exorcistas, simples como as pombas e prudentes como as serpentes; normalmente somos pombas ou serpentes. O mundo quer que creiamos que a atitude da serpente é o que se chama de “maturidade”, mas eu acho que a maturidade é justamente esse meio termo, essa alternância que não se atinge sem força e boa-vontade.
Três anos depois do 11 de setembro, que tem importância pessoal para mim por causa de minhas ligações com a cidade onde passei o fim da adolescência, eu rezo, e peço que todos rezem para que saibamos como agir diante do absurdo, e pelas almas das vítimas de todos os atentados e bombardeios. Que, do céu, elas nos ajudem.