Minha formação (I)

Uma das questões por que sempre me interessei é a seguinte: “como alguém se tornou aquilo que é?” Claro que eu penso isso sobretudo a meu respeito, tentando entender como o Pedro de antigamente se tornou o Pedro de hoje.

Decidi simplificar um pouco a questão, e fazer uma espécie de roteiro intelectual da minha curta vida, listando os livros que foram decisivos para mim, e cujos ensinamentos ou influências não descartei. Depois, achei que seria boa idéia oferecer aos leitores de O Indivíduo a lista, explicando o porquê de estes livros serem importantes. Se outras pessoas decidissem oferecer listas semelhantes, com ou sem explicações, eu leria com grande interesse.

Selecionei 14 títulos. Vou falar deles aqui de par em par; comecemos com os primeiros. Entre parênteses está a época em que os li.

1. Vitkor Frankl, Em Busca de Sentido. (1989, 90)

Em 1989 eu tinha doze anos e, naturalmente, estava cheio de questões metafísicas, muito mais do que hoje. A principal questão para mim era: qual o sentido da vida? Foi então que a obra e graça da Providência fez com que o livro de Frankl chegasse a mim, através das católicas mãos de minha tia (Frankl é muito popular entre os católicos). Neste livro aprendi – embora nem sempre tenha aplicado – que você precisa consentir com o mal para que ele te destrua. Frankl foi para três campos de concentração nazista, teve a esposa e os pais mortos, e quando a guerra acabou ele foi para casa e escreveu um livro mostrando que se você tem consciência do sentido da vida, qualquer sofrimento é suportável. Como ele mesmo cita (Nietzsche, creio), “quem tem por que viver não precisa de como”.

Um dos efeitos colaterais do livro foi ter deixado em mim uma espécie de “consciência finalística”, que tem sido muito útil no meu contato diário com o mundo clássico.

2. São Tomás de Aquino, Suma Teológica (especialmente o Tratado sobre o homem). (1989, 90, mas uma presença constante)

Além de querer conhecer o propósito da existência humana em geral, e o propósito da minha existência em particular, eu tinha várias outras questões. A Suma é uma suma de questões a respeito de Deus, da natureza, do homem e da Igreja. O que é pecado, e o que não é? Como se peca? Por que se peca? Por que pecar é ruim? As respostas estão todas ali.

São Tomás pacificou a minha alma mais do que qualquer autor, com seus argumentos irrespondíveis. Há, porém, um grande benefício que eu recebi com a Suma cujo valor só fui perceber muito mais tarde: o contato com um modelo de argumentação. Afinal, São Tomás é uma espécie de Jet Li da argumentação.

Parece-me que ninguém em sã consciência pode discordar de que a escolástica medieval é o ápice da arte de discutir. Seguindo o modelo da disputatio da universidade medieval, São Tomás propõe uma tese, enumera todos os sentidos em que ela pode ser entendida, lista várias objeções a ela – objeções inteligentes – e as responde, quase sempre uma a uma, até chegar na solução final.

Não sei se eu já conheci um só professor universitário, no Brasil ou nos EUA, que pareça capaz de sobreviver a uma disputatio. Quem hoje acharia que é normal escutar dezenas de objeções todos os dias e ser obrigado a responder a todas elas ou aquiescer? Ah, não. Achariam que isso é censura, que é um cerceamento da liberdade de expressão. E é irresistível pensar que mesmo o aluno mais idiota dentre os medievais começaria: “A censura é a proibição de enunciar alguma coisa, enquanto que a objeção apenas questiona a veracidade da coisa enunciada…”

A disputatio medieval será sempre o modelo máximo do debate acadêmico, e o modelo de todas as minhas disputas interiores.

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