O fascínio que muitos europeus e americanos sentem pelo Brasil é puro thanatos. Basta ver como são os tipos que largam tudo no norte para vir para cá: pessoas de classe média que não agüentam o peso e a formalidade da sociedade ocidental e desejam obedecer a seus instintos sem enfrentar a desaprovação alheia. São pessoas que, se tivessem um pouco mais de inteligência e cultura, diriam que são adeptas do hedonismo. Como não têm, vão afundando na inconsciência brasílica, com o Sol a derreter-lhes os miolos e a percussão a ensurdecer os ouvidos.
(E, aliás, ninguém em sã consciência pode negar que a exposição contínua e prolongada a qualquer coisa essencialmente percussiva, como o samba, é dessensibilizante. É a gordura saturada da alma. O colesterol ruim musical.)
Não é que eu me ressinta tanto do Brasil. Para falar a verdade, me ressinto um pouco sim, mas já me ressenti muito mais. Até gosto da vida aqui na zona sul do Rio de Janeiro. Tenho a praia, tenho tudo perto de casa – acho que há mais de uma semana sequer entro em um carro – e tenho meus amigos. O problema é o mesmo que foi apontado por V. S. Naipaul em uma de suas entrevistas (que saiu do ar, então não tem link). Quando o repórter brasileiro lhe perguntou a respeito da vida e da “musicalidade” – palavrinha besta – de seu país natal, Trinidad & Tobago, ele respondeu que não tinha o menor interesse e que lá as pessoas viviam em função do corpo. Supus que ele tivesse dito, em inglês, “people lead physical lives”, o que o repórter traduziu como “as pessoas levam vidas físicas”.
Assim, do ponto de vista do corpo, o Brasil é muito bom, e eu não vou posar de santo dizendo que “estou acima destas coisas”. O problema, é claro, é quando passamos para alguma aspiração mais imaterial, e não estou falando nem de santidade nem de vida espiritual, mas só de coisas naturais como o desejo da verdade e de conhecer coisas; afinal, também não vou dar uma de trinidad-tobaguense, e fingir que meus interesses não ultrapassam os do estômago e da genitália. Mas estes interesses, no Brasil, jamais podem ser compartilhados além de uma esfera íntima. O sentimento de austeridade e seriedade nunca atinge a esfera pública. O centro de gravidade de cada indivíduo “menos físico” não parece ter ligação com a vida do país, e é por isso que eu – e acredito que boa parte da minha geração – me sinto completamente desenraizado, e, em última instância, universalmente apátrida.