Um obituário atrasado: Neil Postman, 1931-2003

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Alvaro citou em seu post recente um professor do Departamento de Comunicação e Cultura da New York University. Como eu estudei neste departamento durante o ano acadêmico de 1995-96, o post me trouxe lembranças e resolvi visitar seu site para ver como andavam as coisas.

Fiquei surpreso ao ver, logo na primeira página, o anúncio de que Neil Postman, seu diretor, morreu em outubro de 2003.

Se algum dia fosse escrita alguma obra do tipo Os anos de aprendizagem de Pedro Sette Câmara, Postman estaria lá, ocupando boa parte da minha mente no início da minha tortuosa e nunca terminada carreira universitária. Olhando em retrospecto, eu discordaria de muitas de suas posições, como seu idealismo filosófico e sua visão à la Joseph Campbell da religião. Mas ele não era nem filósofo nem teólogo, e sim um “teórico da comunicação”, um sujeito que discutia a relação entre tecnologia e cultura.

Eu sei que pessoas de bem podem ter crises de caspa ao ouvir falar disso porque logo pensam em Pierre Bourdieu e Jean Baudrillard. Mas o trabalho de Postman não tinha nada a ver com profundas leituras simbólicas das novas realidades: ele era uma espécie de continuador “são” da obra de Marshall McLuhan, aproveitando os insights deste em livros-ensaios muito bem escritos, de leitura bastante direta, sem trechos particularmente obscuros (vá ler Deleuze para entender o que é um “trecho particularmente obscuro”).

O primeiro que li, para a matéria “Perspectives on Communication”, em setembro de 1995, foi The Disappearance of Childhood. A tese do livro é simples: a idéia de infância que temos hoje é uma construção vitoriana, baseada na restrição do acesso das crianças a determinadas informações. Como a televisão destrói estas restrições, a idéia de infância como um tempo de pureza e inocência deixa de fazer sentido. Com um argumento tão conservador, não admira que ele próprio admitisse que era “o pior esquerdista do mundo”.

O livro mais famoso que Postman escreveu foi Amusing Ourselves to Death, cuja tese também é simples: o meio da televisão é inadequado ao conteúdo das notícias. Ninguém pode fingir que tem respostas emocionais adequadas ao telejornal: “Morreram hoje 20 pessoas em um atentado em Jerusalém. Corta. O tempo está bom em Nebraska. Corta. Ronaldinho tem uma nova namorada.”

Meu livro favorito dele, porém, é Technopoly. Deixo aqui um trecho:

A relação entre a informação e os mecanismos que devem controlá-la é bem fácil de descrever: a tecnologia aumenta o estoque de informações disponíveis. Com o aumento do estoque, os mecanismos de controle ficam sobrecarregados. São necessários mecanismos de controle adicionais para lidar com as novas informações. Quando os novos mecanismos de controle são eles mesmos técnicos, eles, por sua vez, acabam por aumentar o estoque de informação. Quando o estoque de informação não pode mais ser controlado, ocorre um colapso da tranqüilidade psíquica e do propósito social. Sem defesas, as pessoas não têm como encontrar um sentido em suas experiências, vão perdendo a memória, e têm dificuldade para imaginar futuros razoáveis.

E isto foi escrito em 1991, pelo menos três anos antes de a internet ser massivamente utilizada nos Estados Unidos.

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